25.2.09

Enquanto isso...

By Oz, algures no Rio


... na ressaca do Carnaval carioca, e prestes a prosseguir a minha viagem até Belo Horizonte, dei por mim a reflectir, mais do que nunca, no excerto que, precisamente, um amigo mineiro me mandou um destes dias do livro Estranhos Estrangeiros, de Caio Fernando Abreu:


AMIGO 1: Entre dois homens, amor é igual a sexo que é igual a cu que é igual a merda. Sabe que não agüento merda? Eu vejo um cara e gosto e tal e me aproximo e rola umas, sempre rola umas, porque eu canto bem, eu sei cantar, veja que vaidade, e daí eu penso Deus, daqui a pouco a gente vai pra cama e chupa daqui, chupa dali, baba, roça, morde, e no fim inevitável tem o cu e a merda no meio. Você acaba sempre dando a bunda ou comendo a bunda do outro. Se você dá, ainda não é nada. Tem a dor, a puta dor. Caralho dói pra caralho. Tem uns jeitos, uns cuspes, uns cremes. Mas é nojento pensar que o pau do outro vai sair dali cheio da sua merda. Mesmo nos casos mais dignos, você consegue imaginar Verlaine comendo Rimbaud? E se você come o outro, tem a merda do cara grudada no teu pau. Mesmo no escuro, você sente. (…) Tem amor que resista? (…) Amor entre homens tem sempre cheiro de merda. (…) Por isso, eu não agüento. (…) Eu não consigo aceitar que amor seja sinônimo de cu, de cheiro de merda. (…) Ter cu é insuportável, é degradante você se resumir a um tubo que engole e desengole coisas. Eu não vou aceitar nunca que o ser humano tenha cu e cague. (…)


AMIGO 2: E se realmente gostarem? Se o toque do outro de repente for bom? Bom, a palavra é essa. Se o outro for bom para você. Se te der vontade de viver. Se o cheiro do suor do outro também for bom. Se todos os cheiros do corpo do outro forem bons. O pé, no fim do dia. A boca, de manhã cedo. Bons, normais, comuns. Coisa de gente. Cheiros íntimos, secretos. Ninguém mais saberia deles se não enfiasse o nariz lá dentro, a língua dentro, bem dentro, no fundo das carnes, no meio dos cheiros. E se tudo isso que você acha nojento for exatamente o que chamam de amor? Quando você chega no mais íntimo. No tão íntimo, mas tão íntimo que de repente a palavra nojo não tem mais sentido. Você também tem cheiros. As pessoas têm cheiros, é natural. Os animais cheiram uns aos outros. No rabo. (…) Se tudo isso, se tocar no outro, se não só tolerar e aceitar a merda do outro, mas não dar importância a ela ou até gostar, porque de repente você pode até gostar, sem que isso seja necessariamente uma perversão, se tudo isso for o que chamam de amor. Amor no sentido de intimidade, de conhecimento muito, muito fundo. Da pobreza e também da nobreza do corpo do outro. Do teu próprio corpo que é igual, talvez tragicamente igual. O amor só acontece quando uma pessoa aceita que também é bicho. Se amor for a coragem de ser bicho. Se amor for a coragem da própria merda”.


Talvez seja isso. Falta-me, até hoje, a coragem para virar bicho.

8.2.09

Ajoelha e reza

Blowjob by Dolce & Gabbana


Are we human or are we dancers?
My sign is vital, my hands are cold
And I'm on my knees looking for the answer
Are we human or are we dancers?

Pay my respects to grace and virtue
Send my condolences to good
Give my regards to soul and romance
They always did the best they could

And so long to devotion
You taught me everything I know
Wave goodbye, wish me well
You've gotta let me go
(Human, The Killers)


Por esta altura da minha vida já deveria saber que o despeito não é um bom conselheiro. Quis dar o troco a alguém que, sem aviso prévio - ou assim o quis entender, que, a bem da verdade, os sinais estiveram quase sempre lá não tivesse eu teimado em lhes fazer vista grossa... -, me deixou apeado, já desfraldado e de pele eriçada, com o bolo nas mãos. Claro que isto de querer entrar a meio numa outra festa, para a qual guardámos o convite "just in case", raramente dá boa coisa. E foi assim que, por mais de uma semana, arquei com as consequências do meu acto impensado e aprendi a duras penas - espero - que, não tão raro como isso, os primeiros instintos são os que contam. Que é como quem diz: se durante mais de um mês não deste o teu número de telefone a um tipo, não lho dês depois só porque um outro filho da mãe te deixou, literalmente, na mão. É asneira da grossa e não vale o trabalho que dá para remediar o mal feito.

Para me redimir do meu ímpeto vingativo, resolvi, depois de ter perdido as estribeiras e de ter dito poucas e boas ao Casanova de trazer por casa, recuar. Fi-lo, disse na altura, porque "o seu erro não justificava o meu", mas essa é a parte bonita e edificante desta estória. A moral, nua e crua, está bem menos para Santa Teresa d'Ávila, pois, por uma vez, achei ser hora de começar a usar quem também me usava - e pelos vistos com maior mestria e sem remorsos. Entrámos assim numa espécie de acordo nunca assumido, mas até certo ponto consentido (quem cala, consente), de mútua e descarada conveniência.

Em teoria, esta coisa de uma mão lavar a outra parece saída dos ideais proclamados desde a Revolução Francesa, mas, na prática, pergunto-me se estou pelos ajustes e se a alcova em questão vale que me arme em Valmont. Mas isto, claro está, são dúvidas e hesitações de quem ainda não se converteu por inteiro ao cinismo e para quem um momento de prazer não justifica todos os meios para lá chegar. Ter-me-ei tornado, para mal dos meus pecados, no último dos moicanos?