30.6.08

O síndroma da cama vazia


Soy un perdedor
Im a loser baby, so why dont you kill me?

(Loser, Beck)


Take 1
Sexta-feira à tarde. O termómetro marca mais de trinta graus. Deixar o trabalho em banho-maria para me escapulir com a amiga a tiracolo rumo à praia tem, de repente, aquele mesmo gostinho a travessura de quando, ainda adolescente, fazia gazeta às aulas para me enfiar numa matiné do King ou do Quarteto. Pena que tanta gente tenha a mesma falta de sentido de dever... O comboio para Cascais já sai do Cais do Sodré sem um único lugar vago. Saltamos na estação certa e caminhamos um pouco. Felizes da vida por Lisboa, com todos os seus defeitos, ainda nos proporcionar prazeres simples como este, que é o de ter várias praias a meia-hora, se tanto, de distância. Em lugar da brisa, que seria bem-vinda, o vento que se levanta varre o areal, soltando grãos de areia que fustigam a pele. Depois de lagartear ao sol, vamos à água. Está fria. Está estupidamente fria. Ela não se atreve para lá do tornozelo, eu insisto. Ela aplaude a minha bravata. Deixamo-nos ficar depois, enrolados nas toalhas, à conversa. Diz-me ela:
- Cheguei à conclusão que nós, mulheres, na ânsia de querermos ser modernas, muitas vezes não conseguimos mais do que ser modernosas. Ficamos a tentar provar aos homens que também somos capazes de ser desprendidas, que podemos encarar o sexo da mesma forma que eles, mas, a verdade é que não somos assim e não temos de o ser. Estamo-nos a violentar! Temos de deixar de ter vergonha e dizer que aquilo não nos basta e que queremos mais.
Confesso que não a levei muito a sério. Não por discordar; mas por achar que, no fundo, aquilo era mais para se justificar do que para seguir à risca. Talvez por isso, ou porque os homens - mesmo os que se dizem capazes de ouvir uma mulher - raramente desviam os olhos do que fica para lá do seu umbigo, enquanto ela falava eu estava mais entretido em comprovar os efeitos nefastos da água gelada na anatomia masculina... Futilidade? Com certeza, mas quem nos pode levar a mal se até mesmo os Beckham desta vida não gostam de ficar mal no retrato quando se exibem em público em trajes menores?!

Take 2
O final de tarde promete. Está-se bem na praia, mas temos sede. Fome também. Recolhemos a trouxa e assentamos arraiais na "nossa" esplanada preferida desde outro dia. Bem de frente para o mar. Enquanto esperamos pelo pedido, ela saca de um livro de Machado de Assis e dá-me a ler a dedicatória que um amigo lhe deixou. Palavras bem articuladas. Palavras de quem a conhece do direito e do avesso. Não lhe faltam homens amorosos na sua vida. Faltam-lhe, quiçá, homens que ela não tenha pressa em amar... Claro que guardo isso para mim.
Primeiro trazem o sumo de maracujá - gelado de fazer estalar a língua, como gosto. Depois trazem a tosta de frango. Reparo que o pão vem cortado em forma de coração. O que aconteceu às velhas e tradicionais tostas em pão quadrado? Há uns bons anos, uma colega minha de universidade perguntou-me se era romântico, ao que lhe respondi, com a ironia possível dos vinte anos, "tenho dias...". Pois tostas em forma de coração continuam a não me comover. Lamento. Mas isso sou eu, um gajo a quem, ainda há semanas, acusaram de, no que toca a manifestações de carinho, "ser de uma frieza quase cirúrgica"... Bom, por mais que isso "faça parte do meu show", a prova de que no meu peito desafinado também bate um coração é que não pude deixar de me sentir incomodado quando, a meio da minha tosta, ela se saiu com o seguinte desabafo:
- Decidi que não vou mais responder ao 'ser humano'... Se ele me mandar e-mail, se ele me procurar no MSN, não vou responder... Nem vou atender o telefone! Isto se ele ligar, o que eu duvido! Mas se ligar, não vou atender também... Bom, talvez atenda, mas só se ele ligar mais de uma vez...
'Ser humano' foi o codinome que ela arranjou para não ter de dar nome aos bois; neste caso um marmelo que ela, por mais que esteja à frente do seu nariz a canalhice (e cobardia, caramba como nós, homens, podemos ser cobardes na hora de sair de cena!), não consegue descartar de vez. E isso aflige-me. Aflige-me que ela, uma mulher atraente, rápida no gatilho e independente, esteja há dois meses sem namorar - um namoro que, diga-se de passagem, durou apenas três semanas - e já acuse o peso (o vazio?) da solidão.

Take 3
Vou a casa tomar banho, trocar de roupa e comer qualquer coisa rápida antes de voltar a sair. Sexta à noite. Encontro marcado no Bairro [Alto] para abrir as hostilidades. Levam-me duas cervejas de avanço. Apetece-nos dançar. A mim apetece-me, pelo menos. Vamos para a Bica. As ladeiras a pique, que ainda há dias mal continham a enxurrada de gente, estão agora mais desafogadas, mas ainda assim, a parca calçada em socalcos está semeada de grupos à conversa. Apostamos no Bicaense, mas a pista está às moscas. Não ficamos e continuamos a descer até ao Lounge. Assumidamente retro, o Lounge está composto e aposta num som à la Pulp Fiction. Mais uma cerveja, mais um brinde a coisa nenhuma. Dançamos. Até que alguém olha para o relógio. Já começam a ser horas de descer aos infernos. Tóquio, Music Box ou Jamaica? Como elas não pagam, são elas que entram primeiro para tirar o pulso às casas. Hesitam, mas, sem grande convicção, lá se decidem pelo Jamaica. Ao contrário daquele bar que passava na televisão, onde toda a gente sabia o nome de toda a gente e onde todos metiam o bedelho na vida uns dos outros, no Jamaica a familiaridade não chega a tanto, mas é o tipo do lugar, desprovido de qualquer graça natural, onde se canta em uníssono a música dos anos 80 que deixou saudades - incluindo a mais foleira; sobretudo a mais foleira - e se tem a garantia de que se sairá, madrugada alta, com a roupa colada ao corpo. Pena que nenhum de nós estivesse verdadeiramente virado para o Jamaica nessa noite. Ainda assim, e com a pista acanhada a rebentar pelas costuras, demos o nosso melhor. Mesmo quando alguém sem noção, como a mulher farta, uma criatura digna de Botero, encoxa libidinosamente à minha frente com um tipo qualquer. Das duas, uma: ou recuo e me reduzo à minha insignificância; ou peço licença e pergunto se posso fazer uma participação especial. Mas ai, a minha amiga, que tinha estado calada até então, aproxima-se e segreda-me ao ouvido:
- Estou a ver ali no meio o futuro pai dos meus filhos!
- Cadê?
- Ali, aquele de cabelinho todo despenteado... (detalhe: o seu ideal de cabelo num homem é algo à imagem do vocalista dos Beirut...)
Estico o pescoço e finjo achá-lo no meio da multidão - "Aham, estou ver..." é o melhor que consigo dizer -, mas quem me pode levar mal se Tainted Love é emendado com Enola Gay. Vou dançar, nem que para isso tenha de abrir espaço a minha volta à cotovelada.

Take 4

Já passa das cinco. A porta não tem descanso e cada centímetro livre na pista é avidamente disputado. Para piorar, há ainda quem esteja convencido que certas coreografias ensaiadas ao espelho são para ser mostradas em público... O mais sensato seria bater em retirada, mas ninguém parece querer ser o primeiro a dar parte de fraco. Ligo o piloto automático e seja o que Deus quiser. Detenho-me nela, a minha amiga, e acho-a murcha, espremida a um canto. Mais adiante, como que por milagre, abre-se uma pequena clareira. Duas miúdas beijam-se sofregamente, como se não houvesse amanhã, indiferentes aos urros dos machos exultantes à volta que, de repente, já não estão mais no Jamaica, mas sim à volta de um ringue, onde mulheres seminuas chafurdam na lama. Quando Prince sucede a David Bowie, quase acredito, por segundos, que elas vão a vias de facto ali mesmo... Entre os meus, é ela, a amiga murcha, que entrega os pontos. Aliviado, trato de sair dali para fora. Preciso de ar. E de espaço. O dia está a clarear. Antes de a despachar num táxi, ela ainda me diz:
- Ah, eu bem o vi a olhar para mim, mas ele não veio ter comigo; também não havia de ser eu a ir ter com ele...
Penso, mas não lhe digo, que isto de ser ou não ser uma mulher moderna traz água no bico. Para mim, felizmente, tudo é mais fácil (e óbvio): basta-me a ideia de que tenho à minha espera, ainda que vazia, uma cama. Uma cama de lençóis esticados onde não vejo a hora de me esparramar.

24.6.08

O casting


If I was young, I'd flee this town
I'd bury my dreams underground
As did I, we drink to die, we drink tonight

(Elephant Gun, Beirut
)


Não tenham medo, sintam-se à vontade para exagerar na mise-en-scène, pois dificilmente vão errar a mão. Este post pede uma música burlesca, maquilhagem pesada e mãos cheias de acessórios pirosos. O enredo não chega a ser almodovariano, mas deixa qualquer novela mexicana a esvair-se de raiva.
Façam género e gritem “Tirem-me deste filme”, que eu não vos levo a sério... Afinal, quem, no seu perfeito juízo, quer de facto sair a meio quando o melhor da festa ainda nem aconteceu? Sinto alguma estranheza no vosso olhar... mas também eu, quando me ponho a olhar em redor, me interrogo em que momento, sem que eu me tenha dado conta, semelhante galeria de personagens aterrou no meu quintal?! Serei eu um projecto de "chico de Almodóvar" e ninguém teve a decência de me avisar que a câmara indiscreta já começou a rodar?
Mas eles existem, não são invenção da minha imaginação alucinada e, ou muito me engano, ninguém faltou à chamada. Tem o ex renascido das cinzas, a quem seja talvez o caso de perguntar "tudo isso é saudade" ou "deu vontade de ir à desforra"?; tem a amiga querida, mas muito carente, que cismou em fazer de mim o seu livro de auto-ajuda privado; tem o ex-namorado dela, o “todo bom”, que "regressou" gay e, diz a lenda, foi visto, não se sabe bem por quem, a rebolar de gogo boy, com tanga tigrada e tudo, numa festa da louca Ibiza; tem a senhoria megera, a que não se pode dar confiança, que fala mal nas costas e que oferece empadão ao domingo; tem as vizinhas de porta da amiga, que, como os gatos, só atacam ao cair da noite; tem a melhor amiga da amiga, beijada uma noite, traída na seguinte por um gajo que se acha engraçado; tem a melhor amiga da amiga da amiga, um verdadeiro coirão que também tem a mania que é engraçada; tem o diplomata novinho, avistado no Jamaica a beber sozinho, que não sabe beijar e ainda diz, a tropeçar no sotaque, “quero fazer amor contigo”; tem o “playboy de trazer por casa”, mais para canalha do que para cavalheiro com as amigas que se julgam muito liberadas e atentas à "cantiga do bandido", que fala, fala, mas na hora do bem bom não dá uma; tem as gémeas anãs, que, quando não estão a aviar copos no bar ou a despachar o homem do talho em cima da mesa da cozinha ao melhor estilo d'O carteiro toca sempre duas vezes, fornecem coca aos marmanjos que, pelos vistos, não se cansam do cliché "sou gay, sou bonito, tenho dinheiro e uma queca sem cheirar não é queca. E que se fodam os chatos"; tem o espanhol com suspensórios, colega do amigo da amiga, mais o seu "clube do Bolinha" que, tenho cá para mim, só foram ao Majong porque parecia mal ir directo à rua de baixo, a tal onde ficam muito juntinhos os rapazes que, como eles, também gostam de rapazes; tem o amigo colorido da amiga que vem de Londres em Julho; tem a amiga com o casamento em crise e doida para cair na má vida, porque é isso que o marido dela já faz há tempo; tem o “bom filho, menino da vó”, que já mora sozinho mas ainda vai comer todos os dias à casa da mãezinha, só à espera de alguém que o arrebate, o despenteie, o ajude a escolher as cuecas, o atire na parede e lhe chame "lagartixa"… e eu, metido no meio disto tudo, sem saber de cor as minhas falas e se é ou não suposto tirar a roupa.
Será castigo porque quis fazer a linha "tou nem ai" e não atirei a moedinha da praxe ao santo?

17.6.08

Não façam género

David Bowie

Girls who are boys
Who like boys to be girls
Who do boys like they're girls
Who do girls like they're boys
Always should be someone you really love
(Girls & Boys, Blur)


O portal português www.iol.pt fez eco da seguinte notícia:


«As semelhanças são enormes, segundo um estudo divulgado pela revista da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos (PNAS). O cérebro de um homem gay é mais parecido com o de uma mulher heterossexual do que com o de um homem heterossexual.

Os dados foram apresentados pela equipa de neuro-cientistas liderada por Ivanka Savic, do Instituto Karolinska, da Suécia. Será a prova mais sólida jamais apresentada de que a sexualidade não é uma opção, mas uma característica biológica, dado que a ressonância magnética demonstrou que o tamanho e a forma do cérebro variam de acordo com a orientação sexual.

O cérebro de um homem gay é muito semelhante ao de uma mulher heterossexual, apresentando os dois hemisférios mais ou menos do mesmo tamanho. O de uma lésbica, por outro lado, assemelha-se ao homem heterossexual, dado que tem o lado direito um pouco maior do que o esquerdo. A investigadora optou por estudar parâmetros fixos, como o tamanho e a forma do cérebro, que se mantêm os mesmos desde o nascimento.

A equipa também analisou o fluxo de sangue na amígdala, a área do cérebro que controla os aspectos emocionais, o humor e a agressividade. E, também aqui, o padrão masculino homossexual correspondeu ao feminino heterossexual e vice-versa. Foram estudadas 90 pessoas (25 heterossexuais e 20 gays de cada um dos sexos).»

Por sua vez, este estudo mereceu os seguintes três comentários de internautas:

Na minha idade estes estudos baralham-me! 2008-06-16 / 22:48 por: Astonished
Não tanto pelo fluxo de sangue na amígdala que disso toda a gente sabe, mas sobretudo por terem sido analisados cérebros, já que o busilis está muito mais abaixo! E até me atrapalha ficar a saber que as minhas experiências com mulheres heterossexuais me possam um dia vir a comprometer já que muito semelhantes a outras que eu não tive e de que posso vir a ser acusado!

Tal como Deus diz na Bíblia
2008-06-16 / 22:36 por: Maria Jacinta
Trata-se de uma doença e como o próprio artigo diz, não muda durante a vida da pessoa a não ser devido à intervenção directa do Espírito Santo. Estas ciências sempre atrasadas em relação ao grande livro. Deus é omnisciente. As respostas a todos os problemas e questões estão na Bíblia. Para quê gastar dinheiro com isto?

CLARÍSSIMO
2008-06-16 / 22:27 por: TOPATUDO
TINHAM DE TER UM CÉREBRO MAIS PEQUENO, DE ATRASADOS MENTAIS.

Os comentários nem me merecem considerações. Valem o que valem. Já este tipo de estudos deixa-me algo inquieto e muito desconfiado quanto aos seus verdadeiros propósitos...
Digo desde já que não me choca o facto de se tentar estabelecer uma maior afinidade entre os homens gay e as mulheres hetero - ou entre as lésbicas e os homens hetero -, porque até acho que, em certa medida, esse paralelo não é de todo descabido; já considero, todavia, muito forçado - para não dizer simplista - o facto de se querer fazer disso um postulado científico para, no fundo, repetir a ideia de que os gays, homens e mulheres, são um desvio à "normalidade". Com uma diferença: antes eram apontadas razões sociológicas para esse desvio, hoje procuram-se, supostamente munidos das melhores intenções, explicações genéticas e biológicas. Serão os gays um "acidente" genético?
Lamento, mas não consigo ver nada de apaziguador nestas "conclusões". Porque para mim elas mais não fazem do que perpetuar um erro grosseiro, que é o de se partir do pressuposto de que todos os homens gay são necessariamente efeminados - logo todas as lésbicas são também necessariamente masculinas. E não é assim. Dentro da homossexualidade há muitas cambiantes e variações, por mais que desse muito jeito poder arrumar todos na mesma prateleira!
Analisada a questão, fica-me o amargo de boca de perceber que a ciência, como a sociedade, continua a ter muita dificuldade em aceitar algo que, em última instância, pode ser bem mais simples do que se quer crer: um homem deseja e ama outro homem sem o deixar de ser - tal como uma mulher deseja e ama outra mulher sem o deixar de ser. O que há de tão complicado nisto?

11.6.08

Com as calças na mão


Sexy boy, sexy boy ...
Où sont tes héros aux corps d'athlètes
Où sont tes idoles mal rasées, bien habillées
Sexy boy, sexy boy ...
Dans leurs yeux des dollars
Dans leurs sourires des diamants
Moi aussi un jour je serai beau comme un Dieu
Sexy boy, sexy boy ...

(Sexy Boy, Air)


Se for apanhado com as calças na mão, ao menos que esteja a usar um par de cuecas Aussiebum. Como não é o tipo de presente que se peça de aniversário à mãe ou à tia, eu mesmo tratei do assunto: fui direito ao site e fiz a festa. Ainda acho que a marca australiana deveria fazer uma forte campanha publicitária junto dos familiares que têm por (mau) hábito oferecer cuecas e meias ― sem um pingo de imaginação ― pelo Natal…

Enfim, para compensar tamanho arremesso de futilidade, aproveito os feriados e a chegada do Verão ― que já tardava! ― para colocar a leitura em dia. De uma penada só, devoro Hermann Hesse, Ian McEwan e José Eduardo Agualusa. Diz Siddhartha:
«Podemos partilhar conhecimentos, mas não a sabedoria. Podemos encontrá-la, podemos vivê-la, podemos ganhar importância com ela, podemos fazer maravilhas com ela, mas não podemos comunicá-la e ensiná-la.»

Partilhar conhecimentos é bom. Podemos sempre aprender alguma coisa com os erros e acertos alheios. Mas há limites para a partilha. Em vésperas de Santo António, em vez de ir desabafar com o santo casamenteiro, a minha amiga do post anterior, a confirmar os meus receios, cismou em fazer de mim seu cúmplice à força. Assim, antes de nos lançarmos na orgia de sangria, sardinha assada ― que eu dispenso! ― e manjerico, vou ter de passar pela dura provação de a ouvir contar-me, com detalhe e minúcia, o que se passou entre ela e o “motoqueiro galanteador”... As mulheres, mesmo as que se dizem modernas e muito à frente, são vítimas delas mesmas. Passo a explicar. No início, armam-se em fortes, dão trela a marmanjos que, está na cara, só as querem apanhar entre os lençóis, mas insistem... Argumentam elas que estão a dominar as regras do jogo e, como tal, são perfeitamente capazes de encarar o sexo como algo descartável. Siga para bingo.

O pior vem depois. Podem até não dar parte de fracas na altura, mas assim que deixam a toca do lobo e ficam a remoer no que ouviram da boca do gabiru ― o clássico “não tenho vocação para o compromisso nem para a fidelidade”, metido desajeitadamente entre uma garfada e um gole de vinho, e que vale como o seguinte aviso de navegação: não te iludas que o jantar a dois é mesmo só um pretexto porque parecia mal irmos para a cama a seco ―, mal disfarçam a falsa resignação de quem “foi comida e não gostou” . E como as amigas estão longe, e os seus sentimentos para comigo são algo ambíguos, sobrou para mim fazer as vezes de ombro amigo. Deve ser castigo… Só pode ser castigo. É nestas alturas que gostaria de ser apenas, e só, um sexy boy como aqueles rapazes que vêm nos catálogos da Aussiebum... Mostram o que está à vista e a mais não são obrigados.

4.6.08

Trintões


You made me smile today
You spoke with many voices
We travelled miles today
Shared expressions voiceless

(Numb, Sia)


Em vésperas de somar mais um aniversário* ― o que é sempre motivo de reflexão, sobretudo desde que entrei na fase “Opá, mais um?! Mas tem MESMO de ser? Estava tão bem assim… não quero brincar mais a isto! ―, tenho constatado nas últimas semanas que a vida moderna, entre outras benesses, abriu novas possibilidades aos trintões como eu. Para começar, hoje é-nos permitido, se assim o entendermos, continuar a fazer aquilo que nos dá na real gana sem medo de estarmos a ser “ridículos” e/ou de sermos taxados com piropos do tipo “lá estão eles a fingir que ainda têm vinte anos”! Não temos de fingir. Não temos sequer de gostar das mesmas coisas que gostávamos aos vinte anos, mas também não temos de nos sentir mal se, por acaso, ainda nos apetece fazer muitas das coisas que fazíamos aos vinte.

Os trinta trazem-nos cabelos brancos e um metabolismo mais lento – a alguns trazem ainda mulher, marido, sogra, filhos, cães, um empréstimo para pagar nos próximos 30 ou 40 anos, um Plano Poupança Reforma e, com alguma sorte ou azar, um ex ou uma ex que nos vão infernizar um bom tempo―, mas estão muito longe de ser o fim da linha em matéria de diversão ― com uma vantagem comparativa nada desprezível se tudo correr pelo melhor: temos mais dinheiro no bolso para estourar nas coisas boas desta vida (e são tantas!).

Confesso que, há uns anos, vi a coisa mal parada quando, de repente, dei por mim rodeado de amigos já casados e a pensar em criancinhas. Mas, curiosamente, se a dada altura senti maior dificuldade em arranjar companhia para sair e beber uns copos, a culpa foi mais minha, que me afastei e me "ausentei" tantas vezes a pretexto do trabalho, do que deles. O certo é que agora, olho à minha volta, e não me faltam amigos que continuam solteiros como eu, que voltaram a ser solteiros ou que ainda não tiveram sequer tempo para deixar de o ser.

E é assim que, aos trinta e poucos, aos trinta e picos, ou aos trinta e muitos, continuamos a fazer jantaradas, a correr vários bares numa só noite, a gastar 60 euros para ir ver a Madonna ou a ponderar a possibilidade de acordar de madrugada nos feriados para aguentarmos a pedalada das sessões do Europa, com Dj’s convidados, entre as 6 e as 10 da matina.

O reverso de ser trintão e de continuar disponível no mercado? Existe, óbvio que existe. Por exemplo, a amizade sincera entre homens e mulheres na casa dos trinta não é uma utopia, mas, admito, presta-se a alguns mal-entendidos. Especialmente quando, como acontece comigo, as cartas não estão todas em cima da mesa. Não nos iludamos: a maioria dos trintões que permanece solteira não faz disso um drama ― e até gosta, já que ir para a cama deixou de ser um problema ―, mas isso não quer de todo dizer que se tenha descartado a meta de encontrar um(a) companheiro(a) estável. As mulheres trintonas, mais do que os homens, pagam uma factura pesada ― sobretudo as que dão ouvido ao tic-tac impiedoso do seu relógio biológico ― pela sua emancipação social e sexual. E ai chegamos ao clássico e muito batido pregão: os homens livres depois dos trinta ou são mulherengos ― logo fogem do compromisso como o diabo foge da cruz ―, ou são gays ― logo se não forem aliados, ao menos que não sejam adversários.

De fora da equação matemática ficam os que, como eu, se encontram no limbo. Tenho uma relação bastante cúmplice com as minhas amigas, pelo que não me importo de fazer as vezes de confidente, mas, por outro lado, nunca permiti que me deixassem de ver como Homem, porque, independente de ser ou não gay, acho muito mais interessante quando existe sempre alguma tensão sexual.

Sei que muitos encaram isto como uma incapacidade minha para me aceitar como realmente sou ou até, em certa medida, como uma demonstração de desonestidade para com os outros e para comigo. Não é, nem nunca foi, essa a intenção. Mas boas intenções não chegam e, assumo, a minha postura dúbia coloca-me, agora mais do que antes, frequentemente naquilo a que os brasileiros chamam de “saia justa”. Neste preciso momento, tenho uma amiga, recém-chegada à casa dos trinta, que está, digamos, numa fase confusa a meu respeito... Olha para mim, vê o homem gentil que lhe abre ou fecha a porta do táxi, o tipo divertido com quem vai para os copos mas com quem também pode conversar sobre praticamente tudo, e pergunta-se: mas se estamos os dois livres e temos uma boa química, por que raio não se chega ele à frente? Ai a dúvida instala-se… E, em caso de dúvida, o que faz uma mulher? Eu arrisco dizer que joga em duas frentes e ora tenta fazer ciúmes para provocar uma reacção, ora parte do princípio – que muitos querem tornar universal ― de que um gay como amigo vale muito mais do que uma amiga. Culpa dos filmes, já se vê, que deram vida a esse monstro do “seria o homem ideal, mas como é gay ficou o meu melhor amigo”.

Nesta lógica distorcida, quem fica em maus lençóis sou eu, está-se mesmo a ver, que agora tão depressa sou picado pela entrada em cena de um “motoqueiro galanteador”, como sou intimado a pronunciar-me sobre as investidas dele e o que poderão querer dizer no manual masculino. E só me apetece responder: não me faças ciúmes, que não vale de todo a pena, mas não te atrevas, por outro lado, a querer fazer de mim o teu Will ou o teu Rupert Everett de trazer por casa, que nem tu és a Grace ou a Madonna tampouco. Sim, estou mais cínico. A boa ou a má notícia é que isto só tende a piorar com a idade.

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*Agradeço muito os parabéns que, entretanto, tenho recebido, mas aproveito para esclarecer que ainda faltam uns dias para o meu aniversário. Apenas antecipei o assunto.