25.2.08

Costas largas

O escritor Yukio Mishima numa alusão a São Sebastião, ícone gay

Reach out and touch faith
Your own Personal Jesus
Someone to hear your prayers
Someone who cares
Your own Personal Jesus
Someone to hear your prayers
Someone who's there

(Personal Jesus, Depeche Mode)


Na semana passada, o mundo escutou, entre a perplexidade de uns e o costumeiro encolher de ombros de outros, mais uma pérola proferida por alguém que insiste em interpretar a religião como um divisor de águas em vez de a entender como uma ponte para melhor entender e aceitar o outro, ainda que diferente.

Disse Shlomo Benizri, um dos 12 deputados do partido ultra-ortodoxo Shas, que integra a coligação do governo israelita no Knesset (parlamento):
- «O Talmud ensina-nos que uma das causas dos sismos é a homossexualidade legitimada pelo nosso parlamento».

Por outras palavras, este senhor atribuiu aos homossexuais a responsabilidade pela onda de sismos que atingiu Israel nos últimos meses, pois Deus ― segundo uma leitura muito particular, para não dizer deturpada, do Talmud (livro sagrado da religião judaica) ― advertiu que não se deve “menear” os genitais indevidamente. Não satisfeito, e ignorando estoicamente uma lei aprovada, em 1988, que reconhece os direitos dos homossexuais em Israel, Benizri fez ainda questão de acrescentar que de nada adianta implementar medidas tardias para combater os movimentos das placas tectónicas se não forem “eliminadas as causas”.

Habituado a declarações deste calibre, a reacção do presidente da Associação Israelita de Lésbicas e Gays, Mike Hammel, socorreu-se da fina ironia para responder à letra:
-"Se alguém pergunta por que os membros do partido Shas estão tão obcecados com a nossa comunidade, podemos responder recordando o caso daquele senador norte-americano que, depois de uma longa e feroz batalha contra os gays, revelou que era homossexual".

Mas eu, que sou (quase) sempre a favor de não perder a compostura, nem a educação, face à intolerância mais primitiva, felizmente, posso mandar aqui o cavalheirismo às malvas e soltar um sonoro: irra que há por ai gente muito (mal) fodida!

21.2.08

Distorção

Imagem de Greg Gorman distorcida por OZ

I watch it for a little while
I love to watch things on tv
(…)
I’ve been told that you’ve been bold
With Harry, Mark and John
Monday, tuesday, wednesday to thursday
With Harry, Mark and John

(Satellite of Love, Milla Jovovich & The MDH Band
, música dedicada por Einstein)


Começou a segunda temporada de Brothers & Sisters na Fox Life. Sou fã desde a primeira hora. Lá pelas páginas tantas, Kevin, o gay assumido da família Walker ― agora há também o tio Saul, ainda no armário apesar de já ir nos 60 ―, faz uma cena ao saber que o seu namorado vai passar um ano em missão humanitária na Malásia e acaba por ouvir deste aquilo que não quer:
- Que direito tens tu de me pedir para mudar a minha vida quando tu ainda nem foste capaz de me dizer “amo-te”.

Esta técnica vem em qualquer manual elementar de “dar o devido troco” e responde pelo nome de “colocar o dedo na ferida” ou, se preferirem, “acertar onde dói mais”. Agora a sério. Há realmente coisas na vida que precisam ser ditas… mas, permitam-me o contraditório, precisam ― e devem ― ser ditas no momento certo e, arrisco-me ainda a acrescentar, em pleno uso das faculdades.

Não é implicância; nem pouco-caso de quem ficou de fora do clube dos românticos empedernidos. Juro. Digo isto porque, ultimamente, dá-me a impressão que, por medo de ficar literalmente na mão, muito homem feito apressa-se a cair no extremo oposto ao banalizar o uso do “amo-te”, como se este fosse o tipo de coisa para ser proferida antes de tempo e/ou de ânimo leve… Não é. Não para mim, pelo menos. É duro, cruel até, não responder na mesma moeda a alguém que se vira para nós e nos diz “amo-te”? É, mas ainda assim preferível à desonestidade tremenda de fazê-lo precipitadamente, e irreflectidamente, apenas por dever de retribuição.

Isto leva-me também a uma tendência muito curiosa que tenho vindo a observar nas minhas conversas mais recentes com alguns dos bloggers que conheci através deste blogue ― não se assustem, não vou cometer nenhuma inconfidência. Para meu relativo espanto, o grande objectivo dos mais jovens, mesmo daqueles para quem a sua (homo)sexualidade é ainda um dado recente, parece ser o de encontrar um namorado! Numa cultura que sempre viveu associada à promiscuidade e à inconstância nas relações ― e que continuará a viver, não vamos dourar a pílula ―, não deixa de ser, até certo ponto, uma inversão de valores a ter em conta. Tanto mais que este desejo de querer assentar com o “parceiro ideal” era, regra geral, atribuída, quando muito, aos gays mais maduros ― a quem bateu um certo vazio depois de experimentar o que havia a experimentar ― ou aos gays que vibram com as heroínas dos musicais e comédias românticas e, tal como elas, passaram igualmente a suspirar pelo príncipe montado no cavalo branco (podemos trocar o cavalo branco por um alazão, o que vos parece?).

Quer isto dizer que o mito do príncipe encantado tomou a comunidade gay de assalto? Na verdade, palpita-me não ser de hoje, o que talvez seja novidade é o facto de haver um número cada vez maior de gays, até para se demarcarem do que era, e é, o padrão mais reprovado, que não se envergonha de o confessar em voz alta. Em grande parte, tenho para mim que esta é claramente uma tendência pós-Brokeback Mountain, um filme que, mais do que mudar mentalidades de quem está de fora, teve o mérito de mostrar a quem está dentro que o amor entre dois homens não é assim uma coisa tão improvável de acontecer… e durar.

Há, como não podia deixar de ser, o reverso da medalha. Ao ouvi-los falar do que querem, e, sobretudo, de como o esperam conseguir, fico com a nítida sensação de que, grosso modo, estamos perante um ideal mais abstracto do que concreto. Na impossibilidade de encontrar na esquina mais próxima um príncipe de medidas perfeitas, pronto a desembrulhar, muitos desesperam pelos sapos que terão ainda de engolir enquanto esperam pela sua vez. Isto, claro está, até descobrirem que para se saber reconhecer um príncipe de verdade é preciso ter beijado alguns sapos. E que tal como muitos sapos viram príncipes, muitos príncipes também se tornam sapos.

18.2.08

Agitar antes de beber


Sugar plum fairy came and hit the streets
Looking for soul food and a place to eat
Went to the Apollo, you should have seen him go go go - they said:
Hey Sugar, take a walk on the wild side,
Said hey honey, take a walk on the wild side.

(Walk on the Wild Side, Vanessa Paradis num cover de Lou Reed)


Há dias, em conversa, alguém me dizia com toda a propriedade que, por vezes, são as coisas mais simples da vida que carecem de manual de instruções. Lembrei-me logo do beijo. E o que pode ter um beijo de tão especial para necessitar de maiores explicações, perguntar-me-ão vocês, entendidos que são, estou certo, na matéria? O beijo, em si, nada.

[Abrir parêntese:
(Embora, permitam-me o desabafo, não fizesse mal nenhum a muito boa gente que anda por ai convencida de que sabe beijar bem aprender, para começar, de que o uso da língua, como todo o tempero, deve ser sentido e não sobrepor-se a tudo o resto…)
Fechar parêntese]

O que me veio à cabeça na hora – subam, por favor, o vosso foco e nada de piadas rasteiras quando estou a meio de um raciocínio brilhante! Lol foi o que se seguiu depois de ter beijado um homem pela primeira vez… Não, não entrei em crise; tão pouco perdi o sono nessa noite. Na verdade, quando finalmente aconteceu ― okay, admito que me escapuli uma ou duas vezes pela tangente antes de me resolver a pegar o touro pelos cornos (salve seja, que ele não merece! Lol) ―, eu sabia muito bem ao que ia. E quando digo “sabia ao que ia” não é só força de expressão. Eu realmente sabia ao que ia e por ia.

[Abrir de novo parêntese:
(Fica mais fácil de explicar se fizer um desenho… Tentem traçar um triângulo imaginário entre a orelha, a boca e a base do pescoço… Se não tiverem imaginação para tanto usem a imagem que coloquei acima! Lol)
Fechar de novo parêntese]

Pois essa área de lazer para adultos, a que resolvi chamar de “triângulo da minha perdição” ― sempre é melhor do que ponto G ou X! ―, já estava debaixo da minha mira ainda antes de lhe deitar a mão (a mão e a boca…). O problema é que ― e foi aqui que senti a falta do tal aviso prévio! ― até então eu estava habituado a ser o único barbado da equação ― mais do que achar sexy, ou querer parecer sexy, eu tenho mesmo é preguiça de me barbear todo o santo dia! ―, logo não avaliei devidamente todas as implicações de ter pela frente uma outra barba viril de dois dias que não a própria... Sem pensar, cai de boca. Com vontade. Muita vontade (se é para fazer, que seja com gosto, pensei! Lol)
O resultado do atrito por fricção (e que fricção boa, convenhamos!) não se fez esperar muito: uma erupção cutânea de dar dó, com direito a passagem de urgência na farmácia ― não fosse a temperatura amena de então e dir-se-ia que o rosto e lábios escamados eram consequência de uma exposição prolongada a frio polar! Lol
Aprendi assim à minha custa, li-te-ral-mente na pele, duas valiosas lições: usar de moderação sempre que não der tempo de mandar o marmanjo fazer a barba e incluir no kit de bolso do homem-que-sai-para-beijar-muito um bálsamo hidratante básico. Tivesse eu sabido disto antes! Lol

14.2.08

Reality Show


But we're never gonna survive, unless...
We get a little crazy
No we're never gonna survive, unless...
We are a little...
Crazy...crazy...crazy...

(Crazy, Alanis Morissette)



No DVD, a primeira temporada de Queer as Folk. Enquanto isso, lá fora, a vida continua. Qualquer semelhança entre ficção e realidade é, claro está, pura coincidência.


Episódio 1, 1ª temporada
Ted: Lembro-me desta música dos tempos em que ainda andava no liceu... Isto é que nos faz sentir velhos!

Enquanto isso, leio numa revista qualquer que a música Thriller de Michael Jackson fez 25 anos! 25 ANOS! Um quarto de século! O que ainda me consola é pensar em fulanos como o Mick Jagger, que tomou, fumou e inalou tudo a que tinha direito antes de eu nascer e continua a mexer (mexer é força de expressão, claro está!)


Episódio 6, 1ª temporada
Emmett: Talvez ele faça o tipo homem à moda antiga e não vá para a cama antes do segundo encontro...
Michael: Pois eu é que não quero saber. Vou à procura de alguém que me queira.

Enquanto isso, no MSN, um amigo muito curioso quer saber como anda a minha vida sexual... Respondo-lhe que está uma merda. Ele não desarma e quer (mais) detalhes. Lá acabo por desabafar que já tive mais paciência para esperar pelo segundo tempo.
If you know what I mean.



Episódio 7, 1ª temporada
Michael: Acho que nós, os gays, tiramos lições muito válidas dos livros de Banda Desenhada. Primeiro, há uma série de vilões por ai, logo o melhor é tratar o quanto antes de desenvolver poderes secretos; segundo, se tens um bom corpo, então podes usar roupa justa; terceiro, é sempre bom fazer parte de uma dupla dinâmica.

Enquanto isso, eu é que não vou em modas... Quem quiser, tiver corpo para isso, e, sobretudo, um ego à prova de bala que use as tais das leggings que muitos criadores cismaram de apregoar para os homens... Mas, e porque qualquer dia o Verão está ai de novo a bater à porta no hemisfério norte, decidi que vou finalmente começar a fazer Pilates. Não pago mais por isso no ginásio. E não, não é coisa de mulher! Os que estão já a torcer o nariz, saibam antes que é coisa de homem, sim, e com vantagens acrescidas: tonifica e define os músculos, aumenta a força abdominal e melhora a elasticidade (vão dizer-me que não dá jeito?)


Episódio 10, 1ª temporada
Michael: Podemos continuar a ser namorados?
David: Até podíamos. Mas eu não quero um namorado, Michael. Eu quero um companheiro.

Enquanto isso, no MSN, alguém diz-me praticamente o mesmo só que por outras palavras e num outro contexto. Saio mais confuso do que entrei. Julgava eu que quando se está em A e queremos ir para D, primeiro temos de passar por B e C! Definitivamente, o ABC do amor não é o meu forte...


Episódio 11, 1ª temporada
Brian: Acontece algo de muito estranho quando se entra na casa dos trinta. Estás maravilhoso na véspera, mas, ao acordar na manhã seguinte, dás-te conta de que tens o cu descaído e que o teu pau sumiu...

Enquanto isso, eu, que estou praticamente numa segunda adolescência (ops!), resolvi começar a aplicar o anti-rugas de expressão da linha Men Expert da L'Oréal - só para prevenir, ora. Ideal, dizem eles, para homens dos 30 aos 40. Mal não deve fazer e, pelo menos, tem um cheirinho bom. O seguro, meus amigos, morreu de velho (com ou sem rugas?). No resto, quanto aos outros efeitos colaterais mencionados, cada um que fale por si. Eu ainda não notei nada! hahahahahahaha




Episódio 14, 1ª temporada
Michael: O que é isto? Um lista de orçamento doméstico?

Brian: Yeah. Estou a pensar seriamente em simplificar o meu estilo de vida...

Michael: ... roupas... Ora ai está um item onde podes certamente poupar um bom dinheiro...


Enquanto isso, depois de ter gasto muito mais do que devia nos últimos meses em roupa e outras "cositas mas", leio no meu horóscopo desta semana:

Dinheiro:
Tenha em atenção os gastos exagerados. Não continue a desperdiçar o seu dinheiro levianamente.
Ah, eu mereço...

11.2.08

Quiz Show


My loneliness is killing me (and I)
I must confess I still believe (still believe)
When I’m not with you I lose my mind
Give me a sign, hit me baby one more time!

(
Baby One More Time, Travis)


O que responder quando alguém, de quem gostamos mas ainda não amamos, se vira para nós e dispara à queima-roupa:
- Pensei de verdade que poderias apaixonar-te por mim ao ponto de quereres “sair do armário” para irmos viver juntos aqui ou ai?

a) Let’s wait a while before we go too far
b) I’m not half the man you think I’m
c) I just wanna have fun
d) Now I run from you
e) Sweet dreams are made of this, who am I to disagree

7.2.08

Homem-Objecto


Mojas el pan en el plato vacío,
y apagas la televisión;
Sales a la calle, y te vas al muro;
donde siempre hay alguien,
donde empieza el mar.

(
El Muro, Miguel Bosé)


Desde o final da minha adolescência que me delicio – confesso ― a lançar a confusão entre amigas e conhecidas sempre que lhes revelo, meio a brincar, meio a sério, que, não tendo nada a provar, aspiro mesmo é a tornar-me homem-objecto… Algumas, poucas, quase acreditam, mostrando-se ora desconcertadas, ora intrigadas e tentadas a testar a teoria (à conta disso já apanhei sustos valentes! hahahahahahaha); as outras, as que me conhecem melhor (e sabem que não possuo nem atributos, nem vocação para tal façanha), ainda assim fingem acreditar e entram no jogo, certas de que está em causa dar umas boas gargalhadas à custa da minha desfaçatez.

A mesma brincadeira repetiu-se há uns dias, com duas amigas de longa data ― o tempo suficiente para já terem percebido que há qualquer coisa a não bater lá muito certo no meu percurso amoroso. E, mais uma vez, rimos.

Muitos dos que me lêem vão-se apressar, estou certo, a ver neste meu comportamento a mesma tentativa atabalhoada de sempre de fugir à verdade ou uma manobra de diversão. Talvez estejam certos. O facto é que, e já tenho pensado nisso, eu gosto de manter a tensão sexual entre mim e as mulheres que me são próximas e não estou de todo preparado para passar a ser apenas visto por elas como um confidente. Por outras palavras: aprecio que se sintam à vontade comigo para, se for preciso, ficarmos em pijama na mesma cama a jogar conversa fora, mas não quero que fiquem tão à-vontade que me deixem de olhar como homem e passem antes a ver-me como “um igual”.

Acho que, no fundo, invejo a ambivalência de homens como o espanhol Miguel Bosé ― é dele a música que abre este post. Já não tem a mesma frescura de quando encarnou na tela o travesti de Saltos Altos (Tacones Lejanos, 1991, de Pedro Almodóvar), mas Bosé sempre conseguiu ser, mais do que mero objecto de desejo, sexualmente ambíguo para ser desejado por homens e mulheres. A ideia, por mais egoísta que possa parecer, agrada-me.