27.4.09

Arejar o armário

Marc Jacobs, Kate Moss e Justin Timberlake in Vogue, May 2009


Some boys take a beautiful girl,
And hide her away from the rest of the world.
I wanna be the one to walk in the sun.

(Girls Just Wanna Have Fun, Cyndi Lauper)


Domingo à tarde. Dia assim-assim. Preguiça de sair. Preguiça de deitar mãos ao (muito) que continua por fazer. O sofá chama por mim (e antes que alguém de boa memória se apresse a esfregar-me na cara a contradição, adianto já que não vejo mal nenhum em gastar uma tarde de domingo no sofá; sou é avesso, como escrevi antes, a quem quer fazer disso uma prática continuada, e ainda por cima, pretensamente, romântica. Tout court). Assumo o comando e começo a zapear. Estou com sorte. Em menos de 15 minutos vai começar O Sexo e a Cidade, o filme, num dos canais a cabo.
Sem querer beliscar susceptibilidades alheias, O Sexo e a Cidade, o filme, é coisa de gaja. Okay, a série também era sobre e para gajas; ainda assim, acho, era mais abrangente e com vários alibis semeados para que nós, os gajos que gostam praticamente das mesmas coisas que as gajas [mas não ao ponto de termos por fétiche calçar uns stilettos Manolo ou por fantasia casar num longo branco asssinado por Vivienne Westwood], nos sentíssemos identificados. Já o filme, dou de barato, cumpre perfeitamente a sua missão num domingo coach potato, mas apertou o cerco e, para meu gosto, ficou muito clube das luluzinhas - porque uma coisa é um gajo gostar de ler a Vogue, saber que o Marc Jacobs, além de low fat, está de tal forma enrabichado pelo seu namorado brasileiro que até já trocou alianças e cortou o bolo, ou ainda ter uma opinião formada sobre o regresso das ombreiras; outra bem diferente é, repito, ter por fétiche calçar uns stilettos Manolo ou por fantasia casar num longo branco assinado por Vivienne Westwood. No fundo, a diferença, subtil mas a diferença, entre o "tá-se bem entre elas" para o "deixa-me cá ser uma delas", if you know what I mean...

Não soltar a franga (ou manter os cojones no lugar, se preferirem). É ai que pretendo chegar. Folheio a edição de Abril da Esquire, versão espanhola, e nem preciso ir mais longe. Aqui está uma revista, como a grande maioria das publicações masculinas que não tenham por tema dominante carros e mulheres nuas, que só sobrevive graças aos muitos gajos que gostam praticamente das mesmas coisas que as gajas, mas que não querem sentir-se uma Carrie Bradshaw da vida airada (ou devo antes dizer, da virada?). Não tenhamos é ilusões. Ou vocês acham por acaso que se o target da Esquire, só para continuar no mesmo exemplo, não fosse - ainda que encapotado - gritantemente gay, os moneymakers do grupo editorial deixavam passar uma produção de moda desportiva com o modelo, to die for, enfiado numa jaqueta de vinil roxa combinada com umas calças de treino em malha preta coleante (pág. 180) ou ainda com duas bolas enfiadas no pólo Dsquared (pág. 181)? Óbvioooooooooooooooooo que não. Da mesma forma que não teríam baixado os calções, até ao limite da decência, ao campeão olímpico de natação Michael Phelps... Elementar, meu caro Watson, elementar.

E, subliminarmente ou não, a mensagem passa. Olho para a nova colecção retro, que a Adidas e a Vespa vão lançar em conjunto, e começo a salivar. Quero. Mas contenho-me porque, lá está, lembro-me a tempo da Carrie Bradshaw sempre que se depara com um novo par de Manolos e não quero fazer a mesma figura. Estica o peito, afasta as pernas, ma man. Gajo que é gajo pode até gastar mais dinheiro em roupa do que muita gaja, só não precisa é admiti-lo. Afinal, os armários estão ai para isso mesmo (ahã, é um duplo sentido).

E pronto. Se levaram demasiado a sério tudo o que escrevi até agora, está na hora de soltarem uma grande gargalhada e de irem às compras.

20.4.09

After 30's

I can see the end, of what I've become
A tale of love, come and gone
And now my love, now promises
I wont go falling in love
(Velvet, the Big Pink)


O manifesto "há vida depois dos trinta" já soa a fraco consolo e não falta quem, no afã de provar que ainda está ai para as curvas, até se dê ao trabalho de imprimir no peito a frase lapidar "a vida começa depois dos trinta".

Não vou tão longe, mas digo, sem grandes pruridos, que, quando olho para trás, não sinto grande nostalgia dos meus anos 20. Nesta década, entre ganhos e perdas, ganhei mais do que perdi. Depois, e com tanto trintão (e não só, abençoados Clooney e Pitt, só para citar dois quarentões óbvios) enxuto por ai, nós, os comuns mortais, conquistámos até o direito de estar (e de parecer) bem sem termos de passar pelo despautério de escutar coisas do tipo "julgava que eras bem mais novo"! Mais novo o tanas, afinal a Idade Média já passou à história e se morremos cada vez mais tarde, o mínimo que se pode esperar de alguém nos trinta é que faça por aguentar a peteca. Ou não, que cada um sabe de si.

Curiosamente, o estigma dos trinta continua a fazer estragos no ego e muitos, mesmo os tais que até "passam por menos" (ou talvez exactamente por isso), cedem à tentação de mentir na idade... Aconteceu-me há dias de reencontrar online um velho conhecido, que, sem o menor pejo, na hora de se insinuar resolveu tirar, que eu desse conta, uns quatro anos da sua certidão de nascimento. Para azar do tipo, eu tenho muito boa memória, mas, a fina ironia é que ele nem tinha por que mentir.

Por estas, e por outras, um outro amigo meu brincou comigo e, à laia de provocação, resolveu atirar-me "onde é que fica a tua fonte de juventude?". Ri-me, pois então. Mas fiquei a matutar naquilo. E se, como dizem agora, Darwin sempre teve com a razão do seu lado? Sim, e se andamos para aqui todos ufanos a achar que demos a volta à Natureza quando, na verdade, ela é que continua a dar as cartas?

Passa-me, de repente, pela cabeça a ideia de que o imperativo de nos mantermos jovens aos 30, 40 (e por ai adiante) pode não passar de um estratagema, de um recurso da Natureza, necessário a todos aqueles que, de uma maneira ou de outra, ainda não cumpriram o seu papel na evolução... É uma tese demasiado determinista para quem, como eu, acredita piamente no livre-arbítrio, mas, ainda assim, não totalmente destituída de (alguma) lógica. Olho para mim, por exemplo, e enxergo-me no pleno dos meus 30's com uma série de coisas por resolver - continuo solteiro, tive de me reinventar profissionalmente e voltei a ponderar, seriamente, a hipótese de senão viver, pelo menos de passar largas temporadas num outro país (que é assunto para um outro post) - e interrogo-me se não preciso efectivamente de me manter jovem para levar a cabo tudo aquilo que (ainda) não realizei?

13.4.09

Esperança em tempos de cólera

Is this the place, we used to love?
Is this the place that I've been dreaming of?
(Somewhere Only We Know, Keane)


Ninguém está a salvo dos seus (falsos) pressupostos. Muito menos eu. Tenho vivido todos estes anos plenamente convencido de que nunca me apaixonei para valer e, de tanto o repetir, o que começou, na verdade, por ser uma mera interrogação acabou por tomar ares de certeza (quase) definitiva. E ai transformou-se num daqueles postulados idiotas que não me suscitam orgulho, mas também não me provocam dramas existenciais e/ou recriminações. Foi mais o tipo de coisa que deixamos dobrada no fundo de uma gaveta, na qual até remexemos de quando em vez, mas que não nos damos ao trabalho de despejar para fazer uma selecção do que fica e do que vai fora porque deixou de servir.

Agora, colocando vários episódios recentes em rewind, já não tenho tanta certeza assim... Acho mesmo que há a chance, séria e real, de me ter apaixonado, quiçá até mais do que uma vez, e de não ter dado conta... Parece altamente improvável, esdrúxulo até, eu sei, mas quem se apressar a pensar assim estará, porventura, a cometer o mesmo erro grosseiro que eu.
Entre outros devaneios que não são para aqui chamados, passa-me pela cabeça que eu poderei ser do tipo que não sabe reconhecer em si os sinais da paixão. Dito de outra forma, começo a desconfiar de que, vá-se lá saber porquê, eu ter-me-ei persuadido que paixão era uma determinada coisa, uma coisa tão arrebatadora e tão inequívoca que, ao passar por mim, eu teria, necessariamente, de parar para lhe prestar atenção. E por arrebatador e inequívoco leia-se arrepios na espinha, estômago embrulhado e pernas titubeantes se essas fossem imagens poéticas do meu agrado, mas esse talvez esteja a ser o meu mais terrível e traiçoeiro engano.

Talvez a paixão não me deixe indisposto. Talvez ela me deixe antes disposto para cometer loucuras e actos apressados. É que, para quem se diz intocado pela paixão até hoje, eu tenho cometido vários de cada nos últimos tempos. O que me leva a matutar: se eu sou capaz de loucuras e de gestos grandiosos por pessoas a quem apenas quero bem - ou me suscitam curiosidade, que é uma palavra cautelosa que eu passei a empregar amiúde para salvar a face em caso de derrocada iminente -, o que farei quando realmente achar - tiver a certeza? - que estou arrebatadora e inequivocamente apaixonado? O chão vai tremer? Os sinos vão dobrar? Vai parar de chover? Cristo desce novamente à Terra? Provavelmente, não; provavelmente, não. Percebem onde quero chegar?

Se não entenderem também, não é caso para se incomodarem. Até porque nada do que escrevi até estas linhas é para fazer (muito) sentido. É mais um exercício de lógica e de purga a que me sujeito num dia em que acordei de bem com a vida e comigo. Não que seja raro eu acordar de bem com a vida e comigo, pois passo ao largo das criaturas que foram amaldiçoadas com um despertar rabugento e ácido, mas acontece que sobrevivi a uma manhã particularmente merdosa. Uma manhã em que me vi sozinho num lugar onde não queria estar, sem referências e sem um rosto familiar por perto. Pior, descobri-me longe das pessoas com quem deveria realmente estar naquela manhã de celebração.
Não vou armar-me em forte nem em blasé e dizer que tirei de letra aquela manhã; não tirei. Ela custou a passar e foi dolorosa. Demorei horrores para sair daquele lugar; e demorei ainda mais para me libertar do que me conduziu àquela manhã. De certo modo, uma parte de mim ainda está presa naquela manhã. Mas, como disse, sobrevivi. E sobrevivi inteiro e em paz.

Não se iludam. Não faço minimamente a linha dos que dão a outra face sem ripostar, sem ferir. Mas, não gosto de passar por uma provação sem ficar com o consolo de que, ao menos, aquilo me serviu para aprender a lição. Por isso, em vez de estar furioso e de querer esmurrar alguém que, apesar de todas as vigílias nocturnas, ainda não atingiu o grau de humildade e humanidade necessário para se colocar, por um instante que seja, na pele do outro, eu estou grato.
Porque quando alguém bate a porta, a meio de uma madrugada chuvosa, sem se importar com o que deixa para trás - porque não soube apreciar a nossa companhia, porque não se ralou muito em perceber os nossos gostos e nem sequer hesitou ante a certeza do que tivemos de abdicar para estar ali -, é caso para perder o sono. Mas não é caso para perder a esperança.

Naquela manhã, arrependi-me duramente de não ter dado ouvidos à minha intuição que, por mais de uma vez, me segredou para não ir. Teimei e fui, paguei um preço alto, mas conquistei na adversidade algo inesperado: se, com todas as minhas limitações, desacertos e dúvidas, decidi ir ao encontro - num gesto quem sabe precipitado, admito, mas que me exigiu generosidade e coragem - de alguém que, não obstante a inconstância, a imaturidade e até um certo desapego a roçar a frieza, me tem inspirado, mais do que tesão ou desejo, um carinho genuíno e uma vontade legítima de tentar ir mais além (porque falar em química é vago), então eu ainda tenho esperança. A esperança de que, tarde ou cedo, eu vou deixar de ser uma excepção para passar a ser uma regra. A regra dos que se apaixonam, com ou sem arrepios, com ou sem borboletas, nem que para isso tenham de partir a cara mil vezes.

Cansei-me de ser a excepção que confirma a regra. A manhã passou; ficará o orgulho ferido, quando muito, e uma mágoa que nem sequer é (só) de agora. Mas o que aprendi sobre mim naquelas horas, isso eu vou querer lembrar sempre.