28.11.07

Les Fleurs du Mal*


I'm holding on your rope,
Got me ten feet off the ground
And I'm hearing what you say

but I just can't make a sound
You tell me that you need me
Then you go and cut me down, but wait
You tell me that you're sorry
Didn't think I'd turn around, and say...
that it's too late to apologize, it's too late
I said it's too late to apologize, it's too late

(Apologize, Timbaland feat. One Republic)


Como um insecto atordoado pela luz, cambaleio até à janela. Escancaro as cortinas pesadas. Uma fina penugem plúmbea cobre os telhados de Paris. O meu corpo nu estremece quando me roço, inadvertidamente, pelo vidro inerte. Não ouço os teus passos. Quando dou por ti, já um braço me envolve pela cintura como uma trepadeira tenaz. Pousas o queixo no meu ombro. Os pêlos hirsutos da tua barba trespassam-me como agulhas finas. Não me afasto, mas também não me viro. Não de imediato, pelo menos. Deixo-me ficar, contigo à ilharga, a tentar vislumbrar um sentido para aquela manhã de contornos esboroados. Encaro-te por fim, tens os olhos semi-cerrados. Pareces-me frágil. Aceito a tua boca mas, assim que mergulho nela, um rasto amargo deixado pelo último cigarro fere-me a língua. Contenho-me para não denunciar o gosto a fel deixado nas minhas entranhas. Tomado pelo remorso, permito que me conduzas pela mão à cama desfeita. Deito-me de costas, com o olhar enevoado e não solto um ai. Calo-me por me sentir incapaz de te dizer aquilo que há muito esperas escutar. Com as palmas das tuas mãos alisas a minha pele enrugada pelo frio. O sangue que me corre nas veias parece seguir o leito escavado pelas pontas dos teus dedos. Aos poucos, sou invadido por um ardor que me entorpece. La petite morte aproxima-se, antecipo-a mal a tua cabeça se ergue por entre as minhas coxas. Num fugaz instante de lucidez, fixo a jarra ao lado da cama. As dálias franjadas, que ainda ontem exultavam de vida, estão agora mirradas. Dentro da gaveta, ao alcance da minha mão, se a esticar, está um envelope. No seu interior vais achar, quando voltares do banho, um bilhete onde escrevi uma única palavra. E se me procurares neste quarto de hotel, rogo para que não encontres a sombra que deixarei para trás assim que me escapulir sorrateiramente por aquela porta. Comigo vou carregar apenas a culpa de quem não foi tocado pelo amor.

* Título “roubado” a Baudelaire

12 comentários:

Anónimo disse...

Excelente texto! O final, então... Sublime.

João Roque disse...

Ai, amigo Oz
será preciso fazer uma petição (agora há petições para tudo...), para que faças uma colectânea dos teus textos e os publiques?
Meu amigo, com tantas Margaridas R.P. por aí a proliferarem, um aotor de um texto destes tem que vir a público, pois é bom demais para o "esconderes# no anonimato" de um blog.
Um imenso obrigado por ter lido este maravilhoso texto.
Abraço.

Maurice disse...

Excelente!
"manhã de contornos esboroados" - muito bom.
Devias escrever mais ficção. Ou partilhar mais connosco o que escreves...:)

Abraço

Râzi disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Meu lindo... quero estar enganado, mas vc já não postou esse mesmo conto no outro Blog? Estou dizendo isso porque gostei tanto dele que conforme fui lendo, fui lembrando! Ou sejá que foi apenas um dejavú?

Beijão, lindo! Sabes que te adoro!

Râzi disse...

Oi, meu lindão!!!

Hayuahauahauhauah! Sabe o que foi? Eu me enganei mesmo (óbvio)!

http://a-metamorfose-de-oz.blogspot.com/2007/05/manh-seguinte-parte-i.html

Aqui está o link do conto que me acendeu a memória! Amei esse, e agora esse novo, da mesma forma!

Beijão, meu padeiro!:D

Will disse...

Adorei meu caro Oz!

Talvez o melhor post teu que já li até hoje :)

Identifiquei-me tanto... senti que o texto decalcava a noite mais solitária que vivi há uns dois anos numa aldeia perdida no alentejo...

Manuel Braga Serrano disse...

Oz, permite-me que use o vernáculo: Foda-se! Foda-se, 3 vezes Foda-se! este conto tem a dose certa de amargura e ternura. Para além de que está próximo das vivências.
Abraço

Anónimo disse...

Você é um menino muito mau! Sempre abandonando seus amantes, tadinhos... Estou com o coração partido! :-)
Beijo!

Latinha disse...

Então né... não sei o que dizer...

Devo confessar que mesmo sem ser minha intenção, já deixei alguns envelopes por ai. Da mesma forma que já sai do banho e encontrei envolopes como este e alguns estavam vazios.

Porém, uma coisa que me ocorreu é que nem sempre o "malvado" é que sai e deixa o envolpe... não raro isso pode lhe ter sido muito custoso...

"Meditar irei..."

Paulo Mamedes disse...

A Ash é uma marca relativamente nova... mas já é desejada de 8 entre 10 jovens descolados... hehehe
Eh mto legal as camisetas, só que e caro pra cacete... rs

Goiano disse...

oi tudo bom
to passando p conhecer
um abraço