6.5.08

O anzol


Ai eu já pensei mandar pintar o céu
Em tons de azul, pra ser original
Só depois notei que azul já ele é
Houve alguém que teve ideia igual

Eu não sei se hei-de fugir
Ou morder o anzol
Já não há nada de novo aqui
Debaixo do sol

(
O Anzol, Rádio Macau)


Quantos gestos banais, e até mesmo irreflectidos, não nos passariam totalmente ao lado não fosse o facto de terceiros reparem neles e com isso nos obrigarem a pensar no que acabámos de fazer quando não era de todo essa a nossa intenção?

Deixem-me explicar. Estava eu a saborear um cappuccino, a conversa e a esplanada quando, sem o mínimo desígnio obscuro, estendi a minha perna direita, servindo-me da cadeira vaga em frente como apoio. Não será o tipo de coisa que faça muito frequentemente em público, mas naquela tarde amena, depois de andar a caminhar desde cedo, apeteceu-me e fi-lo espontaneamente. O curioso é que, não fosse esse gesto e, provavelmente, os dois homens da mesa ao lado da nossa ter-me-iam passado despercebidos. Para um deles, porém, o eu ter colocado a minha perna esticada sobre uma cadeira deve ter funcionado como pretexto, pois, de repente, senti-me observado. Encarei-os por breves segundos – o suficiente para constatar que as mesas estavam muito mais próximas do que imaginara e que um dos homens de meia-idade me fintava agora sem cerimónias. Desviei o olhar e continuei a falar com o meu amigo, mas, porque tinha clara noção de que continuava a ser observado, já não fui capaz de manter a mesma posição por muito mais tempo. A dada altura, e porque os nossos olhares se voltaram a cruzar inadvertidamente, o homem aproveitou para me atirar à queima-roupa:

- Are you Brazilian? – E ficou a sorrir, como que expectante da resposta que julgava ser óbvia.

Numa cidade onde não faltam imigrantes portugueses, e por isso o português se faz ouvir um pouco por todo o lado, não deixou de me parecer uma ironia – mas ainda assim previsível - que aquele homem, que estivera claramente a matutar numa maneira de meter conversa connosco, optasse por nos atribuir uma nacionalidade que, a avaliar pelo riso matreiro, lhe despertava maiores fantasias do que nos imaginar tão portugueses como o homem do táxi ou a mulher que lhes limpa a casa.

Desfeito o equívoco, e terminada a troca de palavras de circunstância que parecia ter por único propósito saber o que estávamos a fazer na cidade, reparei que o meu amigo, à excepção de ter rosnado entre dentes “Panilas”, se havia mantido à margem durante o curto diálogo – a típica reacção de defesa dos homens hetero quando, em desvantagem ou igualdade numérica, se sentem na mira de homens gays.

Mas eu, que gosto de divagar sobre banalidades, fiquei pensativo. Primeiro sobre a nossa linguagem corporal e como ela pode, de facto, condicionar/influenciar a forma como os outros nos vêem. Segundo a questão dos estereótipos e como estes podem ser enganadores – será que devo tomar como elogio, e já agora os que são realmente brasileiros, o facto de ser confundido com um brasileiro quando isso vem associado a uma certa imagem feita de “exotismo” e “sexualidade”? Terceiro, não é a primeira vez que sou abordado por um casal gay mais velho e, muito curioso, o padrão, de certa forma, repete-se: há sempre um que toma a iniciativa de meter conversa enquanto o outro permanece silencioso, o que me deixa na dúvida se está em sintonia, e apenas é mais tímido, ou se a situação, na verdade, o incomoda, mas opta por não interferir? E o que significa a abordagem? Estão apenas a ser simpáticos? Gostam de fazer novas amizades? Ou nada disto é assim tão inocente – como eu realmente suspeito - e é apenas um subterfúgio para tentar a sorte? E se assim o for, o que os levou a arriscar? O facto de sermos dois homens adultos sozinhos numa esplanada a meio da tarde? Estender a perna é algum código que deva saber para evitar mal-entendidos futuros (okay, esta até a mim me parece estapafúrdia, mas não custa perguntar! hahahahah) ? Ou ser brasileiro – e vocês que o são, respondam-me, por favor – tornou-se efectivamente sinónimo de “gente muito disposta” no estrangeiro (estou a ser mauzinho, mas vocês percebem onde quero chegar, right)? E estariam os senhores a pensar num ménage a quantas mãos (e pernas, pois então, hahahahahaha)? - admito, esta última foi só para lançar a confusão!

Dá que pensar, ou sou eu que ando a ver muitos filmes? (não precisam responder!)

12 comentários:

Kokas disse...

Bem...
... eu não diria que tudo isso esteja relacionado com o facto de teres esticado a perna. eheheheheh
:P

Aquele abraço!

Latinha disse...

Pernão hein!!! ehehehe

Rapaz... eu acho que a linguagem corporal podem influenciar sim, ou talvez facilitar. Mas eu apostaria minhas fichas na boa e velha cara de pau. Tem pessoas que são franco-atiradores natos e nãos e furtam a tentar a sorte.

Infelizmente não ando em uma fase de acreditar muito nas pessoas por isso acho ser pouco provavel sejam tiozinhos inocentes a querer "interagir".

Agora amigo... você esqueceu que "a perna" tinha um dono, né... Tá podendo, hein!!!

Abração!

João Roque disse...

Ena, tantas hipóteses e quase todas bastante possíveis para uma "abordagem" tão pouco previsìvel(refiro-me ao argumento de indagar se vocês seiam brasileiros).
Gostei dessa pequena "nuance" sobre o rosnar hetero do teu acompanhante: típico.
Abraço.

Anónimo disse...

Bom, ninguém respondeu: particularmente não me incomoda o estereótipo desde que venha acompanhado de uma curiosidade sadia. Imaginar e querer saber é uma coisa, ter algo como fato sem prévia constatação é outra. Mas com ou sem perna, quem é que não gostaria de puxar papo com um gatão como tu?? :-)

Sim, estaremos em são paulo pelos próximos 10 anos pelo menos! :-)

Beijo!

SP disse...

Não é uma teoria, mas apenas um facto: escreves bem.
Um abraço...

Anónimo disse...

Essa dos códigos de engate gay sempre foram uma bela falácia. As linguagens universais, pelo contrário, prestam-se aos mais belos equívocos...

Will disse...

Tens que passar a andar com uma T-Shirt da Selcção Nacional vestida: pelo menos resolves a questão das nacionalidades :P

Paulo Mamedes disse...

É essa a imagem dos gays brasileiros na Europa heheheeh, que meeeeedo!!!!

Levantou a perna já tá querendo, hehehe!

Concordo com o Latinha, tem gente que atira para tudo o que é lado, se não fosse falar portugues, seria o cigarro, a bebida, o tempo...

Marco disse...

"Brazillians do it better????" Se este é o boato da hora em Europa, preciso providenciar meus Euros com urgência!! Hehehehe! Abração!

Tarco Rosa disse...

O que se pode dizer a esse respeito? Todos querem, todos procuram e o que permanece? Dúvidas.

André Mans disse...

q nada
concordo com vc em muitas coisas

MrTBear disse...

Definitivamente deve ser do esticar da perna LOL

MAs a abordagem do senhor, tem muito que se lhe diga, lá isso tem....