14.3.08

Entre gajos



Went to school and I was very nervous
No one knew me
No one knew me

Hello teacher tell me what’s my lesson

Look right through me

Look right through me

And I find it kind of funny

I find it kind of sad
(Mad World, Gary Jules)




Viagens de trabalho são fodidas – e olhem que as minhas vêm acompanhadas de uma série de brindes, entre os quais dormir em hotéis cinco estrelas, comer nos melhores restaurantes e ter acesso a lugares e a pessoas que, de outra forma, me seria muito difícil, para não dizer impossível.
Mas, ainda assim, são fodidas as viagens de trabalho. Nem tanto porque deixo de ter domingos ou dias santos; nem tão pouco porque sou obrigado a pular mais cedo da cama do que o habitual - God knows como eu gosto de acordar cedo! -; nem sequer porque me vejo forçado a ouvir coisas que não me interessam e/ou a ver coisas que não me dizem nada. Tudo isso faz parte do pacote.

O que me deixa meio assim, cada vez mais, é o facto de elas me colocarem perante um facto consumado: o de que, por uma série de dias ou até semanas – e a minha paciência tende a diminuir na mesma proporção que o número de dias aumenta... –, vou ser obrigado a privar intimamente com os meus colegas. Não me entendam mal. Ao longo da vida já tive vários colegas que se tornaram óptimos amigos, mas, regra geral, não faço disso uma prática corrente e gosto de separar as águas.

O que fazer então quando as ditas das viagens nos colocam não só mais na mesma sala por várias horas, mas também, com um pouco de azar, no mesmo quarto, no mesmo carro, na mesma mesa e, pior, no mesmo bar ou boate a emborcar copos para relaxar por dias a fio? Sei que para muitos a ideia de ir para a farra com os colegas até pode soar a um bom programa – e nem digo que não seja, dependendo do que se bebe, onde se bebe e com quem se bebe -, mas o álcool traz consigo um pequeno detalhe: solta as línguas e estimula a troca de confidências. Revelações sem as quais nós sempre vivemos bem – aliás, sou mesmo da opinião que há coisas pessoais sobre os nossos colegas que nunca, em hipótese alguma, deveríamos saber! E é então que, fora de casa, largados no mundo, sem contas a prestar, começam as coisas de gajos. E os gajos querem o quê? Gajas, pois claro. E quantos mais forem os gajos no grupo, pior será, já que, é sabido, gajo que é gajo não gosta de dar parte de fraco à frente de outros machos.

Até hoje – orgulho-me disso – tenho conseguido gerir bem esses pepinos e muito raramente me lembro de ter cedido à pressão de sentir que tinha de provar fosse o que fosse aos outros machos da espécie. Não o fiz quando vivia como hetero; não o faço agora, por muito que não me apeteça especulações acerca de quem levo ou deixo de levar para a cama.
Estou consciente que, ao longo destes últimos anos, já terei levantado suspeitas em alguns dos meus colegas, mas sou discreto e ambíguo o suficiente para que ninguém possa ter certezas. Logo, na dúvida, sou mais um. Mais um que tem de ouvir – e ainda achar graça! – a piadinha rasteira lançada à empregada de mesa, de fingir solidariedade com uma classe que se diz ameaçada por um cada vez maior número de maricas assumidos - e esboçar um riso amarelo quando alguém se apressa logo a acrescentar o remoque da praxe: “por mim tudo bem, é da maneira que sobram mais mulheres para nós”! -, de gramar a tipa que, entretanto, se juntou a nós e graceja com o facto de ser o “homem” da sua loja – como se ser gay fosse necessariamente sinónimo de incapacidade para cumprir “tarefas masculinas” como trocar um fusível ou contratar um empreiteiro -, ou ainda de me conter para não lançar uma bojarda quando uma outra gaja se queixa da “tremenda” injustiça que é o facto de homens muito bonitos serem paneleiros…

Posto isto, devo dizer que não vivo, regra geral, num meio hostil aos gays. É mais aquela coisa – que pode também ser muito irritante e tão ou mais ofensiva, por ser encapotada – do famigerado politicamente correcto. O típico “ até tenho amigos pretos” de outrora deu lugar, parece-me, ao pouco convicto “não tenho nada contra os gays” de agora. Isso, desde que, claro está, os maricas não dêem muito nas vistas e se comportem como gente “normal”.

E tem sido assim que eu, que nunca sonhei em ter a minha vida limitada a uma Liberty Avenue (referência a Queer as Folk) – porque não gosto de guetos – e não frequento as Babylons da vida airada (nova referência a Queer as Folk) – porque prefiro a pluralidade de opções e de possibilidades (e ainda tenho um medo danado de boate gay, essa é a grande verdade que não cala! Hahahahahah) -, tenho compreendido melhor os gays que optam por socializar apenas em ambientes gay friendly. Não me estou a ver a fazê-lo – porque, repito, gosto muito de me dar com todo o tipo de pessoas -, mas percebo. É realmente uma violência grande essa a de termos de fingir ser uma coisa que não somos. Fingir gostar de algo que até gostamos, mas não da mesma forma nem para o mesmo fim.

Será talvez o preço justo a pagar por viver com um pé lá e outro cá. Mas já me custou menos. Bem menos.


13 comentários:

Anónimo disse...

E é por isso que eu prefiro viajar sozinho! :-) Tenho tido sorte.

Você não poderia ter sido mais claro e acredito que o tema é universal: o ser humano sempre se juntará em guetos, seja de qual espécie for (raça, religião, time de futebol). Acho que o segredo é realmente manter as portas abertas para ambos os lados: não viver apenas no gueto, mas tãopouco deixar de visitá-lo.

Mas passar dias/semanas longe daqueles com os quais estamos à vontade é realmente FOOOODAAAAA!

Beijo! :-)

Unknown disse...

Eu devo ter sorte então... tenho feito algumas viagens de trabalho e em algumas sou obrigado a socializar com alguns colegas de trabalho. Apesar de não ser muito fã desse convivio nunca senti +persão alguma para ser algo que não sou. Mas mesmo que sentisse passaria-me ao lado porque, independentemente da minha orientação sexual, não tenho que provar nada a ninguém.

Abraço e boa sorte

Latinha disse...

Diplomacia! Acho que essa é a palavra da hora... eu compartilho de tuas angustias e olha que sempre fui bom nesse jogo de ser "invisivel".

COnfesso que acho até charmoso esse lance da ambiguidade, a aura de mistério atiça as pessoas e adoro quando as pessoas não sabem muito bem o que esperar de mim.

Por natureza eu sou um "solitário", não sozinho, mas sempre gostei de andar com minhas pernas e pensar pela minha cabeça. Por isso dividir tão intimamente a vida com outra pessoa me é deveras complicado.

Mas acho que tenho exagerado na "diplomacia"... o maior problema é que os "HT" talvez não me reconheçam como alguém do bando e os gays também acham que não... por isso estou no limbo! ;-)

Adorei o post!!! Abração!!!

Anónimo disse...

Acho que o respeito que tenho por esses senhores "machos" politicamente correctos que tão bem retratas no teu texto consegue ser ainda menor do que aquele que eles têm por mim... Abraço, e coragem!

Anónimo disse...

Será que todos nós temos de passar por esses sentimentos? Confesso: não gosto de boates também rsrs
Abraços

Anónimo disse...

ontem estava percebendo que as boates aqui ficam ao lado de coisas nada ver tipo, bares de rockeiros e metaleiros, o que me fez perguntar, como podia ser possível uma convivência entre dois meios ao meu ver bem diferentes?

rsrsr

é engraçado, mas eu vejo que as coisas tendem a mudar, e espero que pra melhor, as vezes eu me vejo em situações muito semelhantes as que acontecem com vc.

Socrates daSilva disse...

Retalhos de um mundo dividido. Consola-te que não és o unico.
abraço

Uillow disse...

É meu amigo... é uma situação extremamente complicada. Eu já não me vejo conseguindo dar "sorrisos amarelos" para as piadinha sque as pessoas fazem. Sou verdadeiro demais pra ouvir e não falar nada...


Abraço!

João Roque disse...

Focas um assunto muito interessante e cada vez mais actual, que é a "tolerância" das pessoas que fazem parte do dia a dia de um gay não socialmente assumido e que não passa afinal de uma intolerância camuflada, moderna, mas terrìvelmente preversa e machista.
Haverá muitos gays que não conseguem conviver com essas piadas constantes, que até não os visarão directamente, mas os perturbam e com razão; daí pensar que em certos meios urbanos haverá a tendência para um de dois "extremos": ou assumir abertamente a sua condição de gay, ou o isolamento progressivo; qualquer deles deve ser bem equacionado, é lógico...
Abraço.

Will disse...

Queres uma coisa de gajos gira? Eu hoje ainda te mando 1 sms a convidar para uma, lololol

:p

FOXX disse...

ai ai
verdade
é dificil a gente fingir
manter-se calado qndo o preconceito (contra vc) é evidente, mesmo q velado

estou morando agora numa republica
e isso,
principalmente pra mim q naum sou nada discreto como vc,
tem sido um problema constante!

Anónimo disse...

extraordinária reflexão e que me leva a pensar que o ser humano ainda tem muito, mas muito, que evoluir.

Um abraço

Râzi disse...

Ah, meu lindo! Fico feliz que vc ponha tais pensamentos pra acontecer nessa cabecinha dura!
AHauahauhauahauah!

Espero sinceramente que chegue o tempo em que via se importar muito pouco com o que vão dizer e vai viver mais pra se fazer feliz do que pra calar as línguas alheias!

Acredite! Viver a "coisa" gay é muito parecido com abrir a caixa de Pandora! Vc pode tentar colocar tudo lá de volta, mas sinceramente, algo vai se recusar a entrar e vai encomodar-se sempre!

Beijão, padeiro machão!

Hauaauuauahuahauahau!

Adoro-te, apesar de tu me evitares!