You could be from Venus
I could be from Mars
We would be together
Lovers forever
Care for each other
(Venus, Air)
Sábado. Princípio de noite às portas do Bairro [Alto]. Corre uma aragem fria, mas a lua plena, reparo agora, está pregada como uma jóia de prata no vestido de veludo preto sem mácula. Antes de começarmos a beber, precisamos comer qualquer coisa rápida. Àquela hora, os restaurantes e tascas estão todos a abarrotar, mais a mais, não é bem isso que nos apetece; sobretudo quando, ainda há dias, matámos as saudades dos filetes de polvo do Sinal Vermelho.
Depois de uma incursão falhada a uma das capelas do costume, assentamos arraiais no Vertigo. Gosto deste café ― e da sua clarabóia de vitrais, da mesa junto à janela, a minha preferida, das velas acesas dia e noite e de poder matar a fome, sem me preocupar se o horário é próprio ou não, com comidinhas simples e saborosas. Sinto-me bem ali, mas, depois do café, decidimos mudar de poiso. Ala que se faz tarde. Voltamos a cruzar a Brasileira, mas junto à Praça do Camões atalhamos pela Atalaia. Ainda espreito o Mexido, na Rua da Trombeta, mas é cedo e está às moscas. Na esquina com a Fiéis de Deus, ancoramos junto ao balcão do Majhong, meu porto conhecido de há muitos anos, mesmo que leve décadas a passar ao largo. Abrimos as hostilidades com Morangoskas e gin tónico. A conversa anima, junta-se mais um a nós e, a dada altura, já nem prestamos mais atenção se vagam ou não lugares sentados. Permanecemos de pé, a dançar a versão mais foleira de Tainted Love e a brindar ao que a vida tem de imprevisível e fortuito. De vez em quando, desligo da conversa e deixo-me hipnotizar, momentaneamente, pelos candeeiros verdes que pendem do tecto como alforrecas (águas-vivas).
Sacamos dos telemóveis aos primeiros sinais de mensagem. Marca-se novo ponto de encontro. Uma da manhã. Desaguam aos magotes nas ruas do Bairro e deixam-se ficar ao sabor das marés, mas nós nadamos contra a corrente até atingirmos os rápidos da Calçada do Combro. Sinto-me, cada vez mais, numa noite de resgate do que já fui, ainda que nem todas as portas me sejam familiares. Mas aquela, quase em São Bento, não demoro a reconhecer. No Incógnito fui feliz, mas era outra época, outras pessoas.
Organizamos as tropas à porta. Quando entro, num primeiro impacto, estranho as cores, mas a geografia da pista, afundada mais abaixo, é-me familiar. Por esta altura já emborquei dois gin tónicos e vou a caminho do terceiro. A noite é uma criança. Aos poucos, a pista vazia ganha vida, mas quando eu e mais alguns estávamos a começar a entrar no espírito, alguém se lembra de que aquilo já deu o que tinha a dar e que se impõe nova mudança. Há um náufrago a lamentar.
Distribuídos por vários táxis, rumamos, desta feita, para as vielas manhosas do Cais do Sodré, onde as putas e os marinheiros de água doce cederam, faz tempo, a vez aos que se dizem alternativos e avessos a lugares da moda. Agora, como antes, posso até parecer uma personagem deslocada naquele cenário de opereta bufa, mas sou capaz de desfiar o meu rosário de boas lembranças em praticamente cada um daqueles antros apertados e escuros. Infelizmente, o Tóquio está a rebentar pelas costuras, ainda é cedo para ir ao Jamaica ou ao Europa, por isso, meio que a contra-gosto, vou bater com os costados no Music Box. Lá dentro prefiro o vodka com energético ao charro (baseado), enrolado às escondidas, que vai passando de mão em mão. Africa is the future - pode-se ler no telão, mas, a partir de uma certa altura, a minha tolerância para com o som afro de batida tecno está quase a zero. Felizmente, lá pelas quatro e meia da manhã não sou o único a pensar a mesma coisa. Uns ficam, outros, como eu, batem em retirada e despedem-se à francesa.
Não falta muito para as cinco da matina, mas a fila para entrar no Lux não dá mostras de abrandar. Como sabemos o que a casa gasta não desesperamos. Dois suecos patuscos metem conversa, o que ajuda ainda mais a passar o tempo. Uma vez lá dentro, passamos uma revista rápida aos três ambientes da casa, mas não perdemos tempo a ir reclamar o que é nosso a um dos balcões. Por esta altura, já perdi a conta ao que bebi, mas como o corpo continua a não acusar o toque, não vejo por que parar. A desproporção entre homens e mulheres salta à vista desarmada, com a clara predominância dos primeiros, mas ninguém parece importar-se muito. Eu muito menos.
A nossa propensão para morcegos, leva-nos a preferir o som da pista no porão. Às seis e meia, os meus pés dão o primeiro aviso de que não tardo a virar abóbora, mas continuamos a dançar ― e a beber ― até quase ao fecho. Saímos para a rua já passa das sete. Os vampiros mais batidos nestas andanças trazem postos os óculos escuros, evitando assim cegar com os primeiros, e cruéis, raios de claridade. Depressa desistimos da ideia peregrina de ir tomar o pequeno-almoço. Aterro na minha cama pouco depois das oito. Dormirei nem quatro horas seguidas. Porque hoje como ontem, por mais que os anos tenham passado e eu seja um homem feito há muito, uma noitada não é desculpa para não estar presente à mesa, com os meus pais, no almoço de domingo.
13 comentários:
Noite cheia! De locais, de dança, de copos...de Vida!
São sinais bons de vivências por que passei, noutros locais e tempos, por isso as compreendo tão bem, embora hoje as não pratique; tudo tem o seu timing, até "a noite"...
E o remate, sem pretensões a ser moralizador, é apenas sinal da consciência que se tem dos valores marcantes da vida.
Abraço amigo.
Bem a tanto tempo que não faço uma noitada como esta descrita aqui, realmente das 2 uma ou estou a ficar sem idade para tal ou já não tenho quem me faça companhia.
P.S. - Faz como eu passa o almoço de Domingo para almoço ao Sábado hehehe é mais proveitoso e menos violento ;)
Afe, fiquei com sono só de imaginar, hehe... Mas deve ter se divertido à beça! Beijo!
Grande noite... Por estes lados foi mais a de 6ta que foi comprida...
Abraço
Mas não tão variada LOL, que este burgo ainda não saiu da casca :)
Agora essa budega funcionou!!!
Ah... mas perdi o clima pra comentar!!!
Morcegão! hauhaauhauahauauh1
Quero tirar muitas fotos suas saindo da boate de óculos escuros!
ahauhauhauahauhauhuahauh!
Beijão!
Pra vc que ganha em EURO vai fazer a festa aqui no Brasil, nas lojas, nas baladas... hehehe
Abração
Que noitada!!!
Uma balada dessa sempre vale a pena!
Muito legal e bem escrito o blog, voltarei outras vezes.
Saudações!
Gostei do clima que se instaura no conto e da inversão de expectativas. O ser noturno, maduro, homem feito, que preza o almoço em família.
Um grande abraço
também sou de sair à francesa.
beijos.
gente eu nunca me lembro de nada
se eu tivesse q descrever meu sabado ia dar 3 linhas
auhuauha
ps.: nada envolvendo tainted love pode ser fuleiro heheheh
abraços
taí uma coisa naum mto comum de ver aqui
Ai como eu me revi neste teu post caro Oz... e não, os almoços de domingo nunca serão preteridos pelo sono ou pelo cansaço :)
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