30.12.07

(Re)Começar



Watch the day begin again
Whispering into the night

See the pretty people play

Hurrying under the light

A million cars, a million trains,

Under the jet plane sky

Nothing lost and nothing gained

Life is just a lullaby

(Everything Will Flow, Suede)



A felicidade não tem dia nem hora marcados para acontecer. Ainda assim, eu que até torço o nariz à alegria tantas vezes forçada, ou mesmo imposta, de boa parte das festas de réveillon, não rejeito a perspectiva - chamem-lhe ilusão, não me importo... - de que, a cada novo ano, é-me dada uma nova oportunidade, com infinitas possibilidades de erros e acertos.
Oxalá eu consiga aprender com os primeiros e não desperdiçar os segundos.
E que 2008 não nos passe ao lado!

24.12.07

A esperança



Se eu beber dessa luz que apaga
a noite em mim
e se um dia eu disser
que já não quero estar aqui
na incerteza de saber
o que fazer, o que querer
mesmo sem nunca pensar
que um dia o vá expressar
não há outro que conhece
tudo o que acontece em mim
(Eu Sei, Sara Tavares a partir do Salmo 139)


Há muito que deixei de ser criança, mas espero nunca vir a perder a capacidade de me emocionar com a ideia de comunhão à mesa, nem de me entusiasmar com a ideia de agradar a quem amo nem, sobretudo, de me regozijar com a ideia de que, a cada novo ano, me posso superar e tentar fazer melhor. Porque para mim esse é o verdadeiro espírito desta quadra.
Feliz Natal.

21.12.07

A contra-luz

By Mario Testino


Moving on the floor now babe you're a bird of paradise

Cherry ice cream smile I suppose it's very nice
With a step to your left and a flick to the right
You catch that mirror way out west
You know you're something special
And you look like you're the best
(Rio, Duran Duran)

Há tantos anos que passo ali, mas acho que só agora pude enxergar aquela ilha, plantada entre os postos oito e nove. Sete cores enfunadas ao vento, projectadas num céu cristalino onde cada um imagina o arco-íris que bem quiser. Perscruto rostos e corpos, talhados na exacta proporção da vaidade e de quem se habituou a viver num eterno ensaio fotográfico de Mario Testino. Boys from Ipanema. O Sol cai a pique no Arpoador. À noite todos os gatos são pardos, sobretudo na esquina da Farme de Amoedo com a Prudente de Morais. No 69, ela, de blusa cava, exibe as suas tatuagens, enquanto dança no meio deles e delas. Ninguém quer saber de onde venho, para onde vou e o que faço ali naquela madrugada sem sono. Ninguém a não ser ele, o único que, mesmo a contra-luz, se deixa encadear pelo branco da minha camisa. Blame it on Rio. Sim, a culpa é do Rio e das suas eternas miragens.

13.12.07

Respiração

And I won't go
I won't sleep
I can't breathe
Until you're resting here with me
(Here with Me, Dido)



Estou, como se costuma dizer em bom português, sem tempo sequer para me coçar. É um bom momento da minha vida, com trabalho prazenteiro, mas esta correria, por mais que eu tenha uma costela de andarilho, está-me a deixar esgotado e não me permite algo que eu adoro e preciso: párar, respirar fundo e só depois prosseguir.

2.12.07

A três


But can you save me
Come on and save me
If you could save me
From the ranks of the freaks
Who suspect they could never love anyone

(Save Me,
Aimée Mann)


Chego à hora marcada com um embrulho e uma caixa dos chocolates que ela tanto gosta. Ele já está em mangas de camisa, a cozinhar para nós. Só o vi uma única vez, há uns bons anos, e ainda assim de raspão. Nem me recordo ao certo da sua cara, mas ela insiste sempre em dizer-me ― suponho que também o faça com ele ― que somos parecidos em muitas coisas, por isso, nessa noite, seremos três. Ele estende-me a primeira garrafa de vinho para eu abrir, ela pede-me para ajudá-la a pôr a mesa. Três cadeiras, três pratos, três copos, três velas. Não deixa de ser irónico, penso. A casa ainda está muito vazia, mas, na aparelhagem, toca sem parar Aimée Mann ― é inevitável recordarmos o filme Magnólia. É só mais uma das (muitas) coisas que temos em comum, por isso, e já um pouco bebidos, brindamos à nossa inabilidade para lidar com as coisas do coração. Da mesa passamos para o sofá. Ele prefere ficar sentado no chão, apoiado numa almofada. A conversa solta-se na mesma proporção que vamos esvaziando as garrafas de vinho. Às tantas, ele estende-me um charro (baseado). Recuso, ela aceita dar uma passa. A cena nunca aconteceu ― não entre nós, pelo menos ―, mas soa-me a dejá vu. No final da noite, a minha intuição confirma-se. Nada é dito, nada é sequer sugerido ou insinuado, mas fico com a quase certeza de que ele, tal como eu, está condenado a ser o seu melhor amigo para sempre. Saio de lá a perguntar-me até que ponto, ela tem consciência de que nós os dois, os homens da sua vida, somos realmente parecidos…