In cards and flowers on your window,
Your friends all plead for you to stay.
Sometimes beginnings aren't so simple.
Sometimes goodbye's the only way.
(Shadow of the Day, Linkin Park)
Momento flashback: antestreia do filme Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal. Enquanto P. vai ao carro buscar os óculos de que se esqueceu, eu e F. tomamos vez na fila que se junta à porta da sala, pois não há lugares marcados. F., a grande responsável por eu ter voltado à vida boémia, põe-me a par das últimas. Não faço por mal, até porque se há alguém que gosto de ouvir é ela, mas a minha atenção é desviada para outro lado. À nossa frente, três amigos destoam do resto. Não que façam por isso ― são até bastante discretos, quer na postura, quer na indumentária ―, mas o meu radar deu sinal de alerta. E o que pode ter sido imperceptível para os demais, para mim foi suficientemente esclarecedor. Quando dou por mim, já estou a fazer uma coisa que detesto se for eu o visado: comecei a medi-los de alto a baixo. Acho até que um deles, o mais interessante por sinal, se apercebeu a dada altura. Disfarço. Para mais, não era a hora, tão pouco o local adequado. Termina o momento flashback.
Sábado à tarde. F. manda-me uma mensagem a perguntar se quero jantar com ela e o seu amigo A., que está de passagem por Lisboa. Insiste há dias para que eu conheça A., mas pelas estórias que me conta, sem esconder o entusiasmo e a admiração, eu tenho ficado de pé atrás… Não me agrada também que seja sempre ele a querer definir os horários e o lugar de encontro. Prefiro por isso deixá-los ir jantar primeiro e juntar-me a eles mais tarde.
Abrir parêntesis
A. foi namorado de F. quando andavam na universidade, mas conhecem-se desde que eram adolescentes e viviam os dois no Guarujá, litoral de São Paulo. Agora F. mudou-se para Lisboa e A. vive em Londres.
Fechar parêntesis
Chego ao restaurante já perto da meia-noite, acabaram as sobremesas, mas ainda decidem com que bebida vão encerrar o repasto. F., noto mal puxo uma cadeira para me sentar ao seu lado, está meio que perdida na mesa, onde, além de A., estão ainda mais três homens. Nenhum deles, para além de A., fala português. Bem sei que o inglês, apesar de todos os cursos que fez, não é o ponto forte de F., mas não me cheira que seja isso a incomodá-la. Reparo melhor no grupo. A., como imaginava, é o centro da mesa, só que não se comporta como o mulherengo “pintado” por F. Aliás, bastam-me uns minutos ali para perceber que F, apesar de já devidamente informada por amigos comuns do facto ― como me viria a confidenciar mais tarde ―, não estava era preparada para ver o seu ex-namorado, o mesmo que se lhe declarava timidamente desde os 15 anos, aos beijos com o seu namorado francês e cheio de trejeitos dengosos para com os restantes amigos. A., justiça lhe seja feita, além de bonito e elegante, é o tipo que só passa por gay quando assim o entende. Já os seus amigos e namorado são aquilo que podemos chamar de estereótipo: bonitos, jovens (um deles nem tanto, pois desconfio que beira os 50, mas em plena forma), bem sucedidos na indústria da moda e sem pudor de usar roupa totalmente justa aos corpos enxutos. Tiro-lhes o chapéu por não se preocuparem sequer em manter as aparências num dos restaurantes mais caros e chiques de Lisboa, mas sei também que muita daquela confiança em querer fazer com que o mundo os engula, além de deliberada, é fruto de um elixir poderoso chamado dinheiro. Acho graça também quando, num momento em F. se retira da mesa, A. começa a beijar o namorado ― para gáudio dos dois amigos ― para testar a minha reacção.
Vou com F. para o Bairro [Alto]. A. e os amigos ficam de nos encontrar lá. Claro que A. faz questão de sugerir o bar… Frequento o Bairro há mais de 15 anos, mas ainda assim continuo a perder-me nas suas vielas, já A., claro, chega tarde, mas não dá mostras de ter errado o caminho. Mal chega, pede uma rodada de caipirinhas para todos e, à parte, encomenda, suspeito, haxixe para ele e para o resto da pandilha. Quando os deixamos, já o bar é deles, mas, uma vez mais, eu e F. saímos à frente. P. espera-nos para irmos juntos até ao Lux.
A. e companhia ― juntaram-se, entretanto, mais dois gays ao grupo ― chegam já nós vamos no fim do primeiro copo. Foi parado no caminho pela polícia, mas, como sacana sortudo que é, “apenas” acusou 48 mg de álcool no sangue contra os 49 permitidos por lei! Apesar de o Lux ser, cada vez mais, gay friendly, o nosso grupo começa, aos poucos, a atrair alguns “satélites”, que ficam na órbita a ver onde param as modas. Pelo canto do olho, observo, entre o divertido e o desconcertado, que, à excepção de P. e F., somos todos praticamente da mesma altura, o que só serve para acentuar a ideia de “farinha do mesmo saco”. Claro que, estando os rapazes mais ou menos entretidos uns com os outros, tinha de sobrar para mim. Estou eu a dançar muito sossegado ― o sossegado é relativo, admito, mas adiante ― quando começo a sentir a presença incómoda de um tipo quase colado a mim. Se há coisa que me deixa “P” da vida é fazerem-me isto quando estou a dançar na minha. Chego-me mais a F., que sorri divertida, mas nem mesmo assim o tipo descola… Só penso: com tanto gajo bom aqui para escolher, este caramelo logo tinha de vir tentar a sua sorte comigo!!! Com o tempo, ele lá acaba por perceber e vai pescar ao largo. Não passam nem cinco minutos e já está de conversa com um outro na pista. Quando este se vira, a sua cara não me é estranha… Puxo pela memória e nem quero acreditar na coincidência: é um dos tipos que estava no cinema! Qual ovo qual quê, o mundo é uma ervilha!