I've been looking for a savior in these dirty streets
looking for a savior beneath these dirty sheets
(Crucify, Tori Amos)
Não falta muito para as cinco da manhã quando o Will me deixa na esquina. Insisto que posso percorrer a pé a meia dúzia de metros que me separam da porta do prédio, apesar da noite chorar copiosamente. Gosto de chuva, mas prefiro vê-la da vidraça, já a salvo, enquanto me liberto da roupa impregnada de tabaco. Apetece-me cair na cama, mas antes atiro para o fundo da chávena um punhado da mistura perfumada que trouxe. Verto a água em ponto de fervura sobre a infusão e dela se desprende, aos poucos, o aroma a canela. Está pronto o chá. Noto agora, estou ligeiramente ressacado.
Ainda oiço, cada vez mais distante, a voz de Tori Amos interrogar-se: why do we crucify ourselves? Sei lá eu… tenho sono e não estou para pensamentos profundos a esta hora. Aninho-me no edredão em vez de me esparramar na cama que esta noite tenho só para mim. Adormeço ao som da chuva, como gosto.
O domingo amanhece indeciso. Levanto-me amarrotado. Decididamente, estou ligeiramente ressacado. Saio para comprar o jornal e decido tomar o pequeno-almoço na rua, rodeado de gente sem nome. Esta coisa de ser um rosto anónimo na grande cidade nunca me incomodou. A cidade está-me nos genes.
Curioso, porque na véspera, por umas horas, despi a máscara do anjo negro e mostrei-me apenas como um homem. Sem asas e sem a distância segura da escrita. Um salto sem rede calculado, ainda que não seja fácil chegarmos fashionably late – com diria o sacana arrogante, mas bom todos os dias, Brian de Queer as Folk – a um jantar com 30 e poucos bloggers e não bloggers (não os contei…). Sobretudo quando todos os olhos se viram na nossa direcção e nós apenas reconhecemos um ou dois rostos, no máximo, e isto porque os vimos antes em fotos. Felizmente tinha o Will como fiel escudeiro – aliás, e porque nunca é evidente quebrar o gelo com tanta gente em tão pouco tempo, foi ele, mais do que todos os outros, que fiquei a conhecer ainda melhor. Mas gostei, por exemplo, de confirmar que o Pinguim é exactamente aquilo que dá a ver no seu blogue; que o Papagueno, afinal, também é o Special K; que o Teddy Bear e o Little Teddy Bear estão focados um no outro mas não excluem os demais; que citar Clarice Lispector, mais do que oportuno, foi um acto de generosidade do Paulo e do Zé; que a Keratina soube encarar com galhardia o facto de ser a única mulher entre muitos homens madrugada fora; ou ainda que o Luís Galego, hábil na arte de lançar o enigma como ardil, daria ele também um bom objecto de análise.
E mais haveria, por certo, a comentar, mas eu, que gosto sempre mais de observar do que ser observado, resolvi que me apetecia, mais do que tudo, dançar e beber. E foi isso que fiz até decidirmos, eu e o Will, que estava na hora de bater em retirada. Ainda não chovia.