30.1.08

X Mandamentos

(Sonho de consumo e colírio para os olhos)

”O amor é uma questão de oportunidade.
De nada vale encontrar a pessoa certa antes ou depois do tempo.”
(In 2046, de Wong KarWai, acompanhado de In the Mood for Love, a Musical Reflection, com composições de Shigeru Umebayashi e Tan Dun)


A uma declaração de intenções, eu contraponho os meus dez mandamentos para uma boa dança a dois:
  1. Do convívio nasce a cumplicidade; da ausência, se consentida, nasce a saudade;
  2. Um cão é fiel, um Homem deve esforçar-se para ser leal;
  3. Gostar é também saber dizer e ouvir um Não quando necessário;
  4. O Sexo é melhor sem hora nem lugar marcados para acontecer;
  5. É possível gostar de alguém sem se gostar de ouvir a mesma canção, mas é impossível gostar de alguém que não se emociona com as mesmas coisas;
  6. Mais do que apenas gestos, há palavras que precisam ser ditas.
  7. Quem gosta de lugares escuros, abafados e de ficar em grupo no mesmo poleiro são os morcegos; para um jantar, um tango e bom sexo bastam dois e média luz;
  8. Um bom amante deve saber explorar o potencial erógeno do pescoço, não confundir beijo na boca com corrida de obstáculos, massajar os pés, não negar carinhos e saber a hora de se encostar na parede e entregar para Deus;
  9. Gostar de alguém não pressupõe estar presente em todas as horas, mas implica não deixar de estar sempre que for preciso;
  10. Casal que se gosta partilha a despesa e incentiva-se mutuamente a ficar mais gostoso. Regra muito simples: quando se está saciado com o que se tem em casa não se vai pedir ovos emprestados ao vizinho da frente.

Observação: Dispenso o “e foram felizes para sempre”, mas não abro mão do “e foram muito felizes enquanto quiseram estar juntos”.

27.1.08

Parêntese


Poor is the man whose pleasures depend on the permission of another
(Justify my Love, Madonna)


Ainda a propósito do último post… Interessante a mania de se insistir em confundir a falta de interesse de um homem por uma mulher em particular com total ausência de interesse e/ou desejo desse mesmo homem pelas mulheres em geral. Eu não consigo entender a sexualidade dessa forma ― ou consigo, mas ai, permitam-me desconfiar, se não se importam, de que estamos a falar de um mundo a preto e branco.

Não me entendam mal: a-d-o-r-o preto e branco (até por razões que agora não vêm para o caso), mas não abdico de enxergar todas as outras cores e as suas mil cambiantes.

E sim, mesmo que isso implique demorar mais tempo a assimilá-las.

Até há bem pouco tempo, não sabia como decifrar (quando mais explicar aos outros…) o facto de sentir uma maior atracção por mulheres do que por homens ― no sentido mais óbvio do termo, ou seja, um homem bonito é-me infinitamente mais indiferente do que uma mulher bonita ―, e ainda assim ter maior tesão por eles do que por elas. Mas deixei de me ralar com isso (mentira: a questão continua a intrigar-me e, até certo ponto, a condicionar-me, mas estou cada vez mais inclinado a achar que a resposta, a existir, não me chegará como uma revelação divina).

Freud que explique ― e nem ele foi capaz, quer-me cá parecer…

Quero acreditar que nem tudo na vida precisa de ser analisado, esmiuçado ou entendido. Para começar, aceitei, por exemplo, que no meu caso, e independentemente do género, atracção, desejo e vontade podem ou não coincidir. Confuso? Talvez. Anormal? Só se eu quiser que seja. E eu não quero.

Quero o preto. Quero o branco. Mas também o encarnado. Preciso de todos. E não necessariamente nessa ordem ou para o mesmo fim. "So, now what?"

23.1.08

Alô, Terra!



And I think it's gonna be a long long time
Till touch down brings me round again to find

I'm not the man they think I am at home
Oh no no no I'm a rocket man

Rocket man burning out his fuse up here alone
(Rocket Man,
na versão de David Fonseca)



Amiga: Não babaste com a Keira?
(Para os distraídos: Keira Knightley, a actriz principal do filme Expiação, Atonement no original, candidado ao Óscar de melhor filme; para os mais distraídos: é aquela miúda nua ao lado da roliça Scarlet Johansson e do Tom Ford, numa capa da Vanity Fair que deu brado)

Eu: Não. Acho que tem um rosto muito bonito, é elegante, mas não faz bem o meu género…

Amiga: Não faz o teu género??!!


Eu: Pois… (pausa) É como te disse, acho-a bonita e tal, mas não faz muito o meu género (nova pausa) Talvez seja excessivamente magra, sei lá…
(Calo-me a tempo; por um triz não aponto o facto de ter achado que o vestido cor-de-jade, o famoso vestido cor-de-jade com que aparece no filme, não lhe caía lá muito bem no decote pouco preenchido…)

Amiga: É muito esquisito o rapazinho… Assim não vais longe!


O pior é que ela tem razão… Assim eu não vou longe. É o que dá eu não gritar em plenos pulmões: "I'm not the man they think I am at home / Oh no no no I'm a rocket man".

21.1.08

Conta-me um segredo


A man can tell a thousand lies
I’ve learned my lesson well
Hope I live to tell
The secret I have learned, till then
It will burn inside of me

(
Live to Tell, Madonna)


Quer em Disponível para Amar (In the Mood for Love), quer em 2046, dois filmes de Wong Kar Wai que aconselho, a ideia repete-se: sempre que alguém vive atormentado por um segredo que não se atreve a partilhar, escala uma montanha, procura uma árvore e nela faz um buraco. Soprado o segredo, o buraco é selado com lama.
Hoje, ao invés de subirmos à montanha, sentamo-nos frente a um computador; ao invés de procurarmos uma árvore, escondemo-nos numa sombra. Ao invés de abrirmos um buraco, criamos um blogue, mas nele, como no buraco, também depositamos segredos. E todos, mesmo os que dizem não esperar (nem precisar de) resposta, ansiamos para que o eco das nossas palavras, depois de lançadas ao vento, não caia no vazio sem pelo menos tocar alguém. Nem que seja ao de leve.

17.1.08

Palavras soltas

Cena do filme Odete, de João Pedro Rodrigues


All this frustration
I can't meet all my desires
Strange conversation
Self-control has just expired
All an illusion

(Born of Frustration, James)


Acordei com vontade de sentir novamente a respiração ronronante soprada no meu pescoço / De ter os músculos doridos depois de varar mais uma madrugada a dançar / De lançar barcos de papel iluminados à deriva na correnteza / De comer açai gelado às colheradas / De ovos Benedict sobre uma fatia de pão de centeio aquecida ao de leve / De percorrer a escala de andamentos entre um beijo moderato e um beijo vivace, ora lento, ora prestissimo / De ceder à vertigem do jogo em que passo de presa a predador e de predador a presa / De sair para fora de pé / De ficar em carne viva / De medir forças com um igual / Do frémito de ter tudo a perder ou tudo a ganhar / De alguém que me inspira o milagre e não a resignação.

15.1.08

A saldo


You said my clothes were sexy, you tore away my shirt.
You rubbed an ice-cube on my chest snapped me 'til it hurt.
(…)
You said I wasn't cheap. You paid me twenty pounds.
You promised to put me in a magazine on every table in every lounge.

(You’re Gorgeous, Bird Baby)


Aproveitei o fim-de-semana para tirar a barriga de misérias. De uma assentada, fui ao cinema ver O Sonho de Cassandra ― o último de Woody Allen, e sim, estou inclinado a concordar com a (má) crítica; o argumento não me convenceu; muito menos a prestação do Collin Farrell que, excepção feita a Tigerland, acho um bocado canastrão. Bah! ― e revi em DVD dois filmes que já ganharam um lugar especial na minha vida: Disponível para Amar (In the Mood for Love), de Wong Kar-Wai ― belíssimo na sua subtileza e que música é aquela (Yumeji's Theme, de Shigeru Umebayashi) que até arrepia! ― e O Grande Peixe (Big Fish), de Tim Burton ― eu que nem sou de lágrima fácil, sempre choro na sequência final, porque aquilo mexe comigo! Tenho ali mais três à minha espera, mas deles falarei noutra altura, num outro post.

E já que a época é de saldos de Inverno e eu, por motivos que agora não são para aqui chamados, fiquei sem parte do meu guarda-roupa, fui às compras. Curioso como a grande maioria dos homens gosta de apontar o dedo e dizer que compras é “coisa de mulher”. Pois para mim, coisa de Mané é precisar da ajuda da mãezinha ou da namorada para escolher umas simples cuecas! Faço gala em comprar toda a minha roupa desde muito novo e sempre preferi, inclusive, fazê-lo sozinho e sem muitos palpites. E ai de quem me vier com aquela lenga-lenga do “queer eye” para saber o que usar… Vai apanhar, aviso já! :-)

7.1.08

O reverso


Hey mister
How did you lose your love?
Say mister
They say you’re out of luck
Why worry
‘Cause it happens to us all
When love is all
Love is no more
Praying for your love
Keep on praying for your love.

(
Praying, 3-11 Porter)


Porque, por vezes, é preciso contar o reverso da estória.


Inclemente, um jorro de luz macilenta acerta em cheio no meu rosto. Cego por aquela claridade furtiva, demoro algum tempo até ser capaz de distinguir, com nitidez pelo menos, a tua silhueta esguia desenhada a carvão na janela de cortinas escancaradas. Arrepio-me ao sentir os teus pêlos eriçados pelo frio; ainda assim, saio da cama. O teu olhar paira sobre os telhados de Paris, mas algo na tua postura absorta me diz que já voaste para mais longe. Mal dás por mim quando te enlaço pela cintura. Ficamos pele com pele. Carrego comigo a esperança de que o meu calor te inunde e te devolva aos meus braços, mas tu insistes em permanecer fora de pé. No meu desamparo, cerro os olhos e deixo-me ficar. De queixo pousado no teu ombro. Desejo em vão que o tempo pare de correr neste preciso instante. Até que te viras. É a minha vez de me fingir de morto. Não consigo encarar-te. Não quero ser obrigado a confrontar-me com aquilo que jamais terás a coragem de me dizer, mas que há muito pressinto nos teus gestos. Como um condenado, ofereço-te instintivamente a minha boca, na tentativa desesperada de te silenciar e adiar o desfecho inevitável; mesmo que para isso a minha agonia se prolongue. Não te demoras muito nos meus lábios. Num ímpeto, arrasto-te pela mão até à cama, onde as formas dos nossos corpos aguardam que as preenchemos novamente. A tudo obedeces como um autómato. Mesmo quando eu, torpe, me lanço sobre ti e, sem controlar a minha sofreguidão, te percorro de lés a lés. Mais do que te dar prazer, procuro, desvairadamente, algo que possa reter e servir-me de consolo quando tiveres partido. Ergo-me por entre as tuas coxas; não tenho mais como não enxergar o que dispensa todas as palavras. Esfrego nas mãos o teu despojo, para que se entranhe, mas o teu corpo já não me pertence mais. A muito custo, abafo os primeiros soluços, mas um carreiro de lágrimas começa a engrossar e não tardará a despencar. Hesito entre a retirada estratégica, que se impõe, ou abandonar de vez o orgulho, o pouco que ainda me resta, lançar-me aos teus pés e suplicar-te que não vás. Incapaz de travar por muito mais o choro que me dilacera a garganta, resigno-me a deixar-te ir sem oferecer resistência. Estou mesmo disposto a facilitar-te ao máximo a fuga. No que depender de mim, esta é só mais uma manhã igual a tantas outras que já tivemos. Levanto-me com o pretexto de ir tomar banho. Volto-me uma última vez, mas os meus olhos não encontram os teus. Melhor assim. Fecho a porta da casa de banho, ponho a água a correr, mas não entro no chuveiro. Fico antes agachado a um canto, anestesiado sem sentir o chão gelado, e a rogar para que o meu pranto me impeça de te ouvir quando bateres a porta.

3.1.08

Eu e o génio da lâmpada


Breathe in, breathe out
Tell me all of your doubts
Everybody bleeds this way, just the same
Breathe in, breathe out
Move on and break down
If everyone goes away, I will stay
We push and pull
And I fall down sometimes
And I’m not letting go
You hold the other line
Cause there is a light in your eyes, in your eyes

(Breathe in, Breathe out, Mat Kearney)



“More tears are shed over answered prayers than unanswered ones”
ou

“As preces que são atendidas causam mais lágrimas do que as que são ignoradas”


Um destes dias, ao rever em DVD o excelente filme Capote (e não me canso da primorosa interpretação de Philip Seymour Hoffman), tombei sobre esta epígrafe de Truman Capote...
Deixou-me a matutar.
Mais do que pedir e não ser atendido, aflige-me a ideia de que podemos ter apenas direito a um número limitado de desejos a realizar e eu já tratei de desperdiçar boa parte dos meus com as coisas e as pessoas erradas...
A isto chamo eu o síndroma da lâmpada mágica ou o mal dos indecisos.