31.12.08

08.Oz.09

by Joe Oppedisano


Coming out of my cage

And I've been doing just fine

Gotta gotta be down

Because I want it all

It started out with a kiss

How did it end up like this?

It was only a kiss

It was only a kiss

(Mr. Brightside, The Killers)



Irrita-me sobremaneira o ritual das 12 passas de uva engolidas à pressa. Aliás, vou mesmo mais longe ao assumir que a ideia de Réveillon, per si, quase não me faz cócegas. Não é que me seja totalmente indiferente, mas a sensação com que fico é que, tal como as passas engolidas à pressa, este é um ritual de passagem particularmente artificial.
De toda a forma, este é, queira eu ou não, goste eu ou não, um momento de reflexão; com a vida em suspenso, assim me parece, dei por mim a deitar contas à dita e a chegar a algumas conclusões interessantes.
Desde já aviso: valem o que valem. Não são, nem quero que sejam, verdades absolutas. Têm prazo de validade e prestam-se a ser contrariadas. Ao fim e ao cabo, mais do que ressacas e doses homéricas de boa disposição impingida, quando não mesmo simulada, o conceito de Réveillon serve, valha-nos ao menos isso, para manter acesa a ilusão de que nos é sempre possível recomeçar, emendar a mão, corrigir a trajectória. E essa ideia agrada-me.
Vamos então para 2009 e quem for o último da fila, por favor, que feche a porta.

1. Preciso ser mais caloroso com os meus amigos. Aliás, preciso ser mais caloroso de uma forma geral, o que não quer de todo dizer que vá andar por ai a distribuir beijos e abraços a torto e a direito. Apenas constatei que há coisas que precisam ser ditas e não apenas demonstradas.

2. Preciso controlar os acessos de raiva. Não me fica bem perder a calma, já para não falar no aprumo e na compostura. Contar até dez ou respirar fundo antes de explodir são receitas antigas que ainda funcionam. Permitir-me-ei, de quando em vez, e só para não perder a graça e o charme, uma ou outra birra, um ou outro amuo.

3. Preciso dar ordem às coisas. Rejeitei o amante, mas esforço-me para conservar o amigo... faz realmente sentido? Os fins justificam os meios, ao ponto de andar a "cozinhar em lume brando" alguém que ainda não percebi se quero como amigo ou como amante? Vale a pena continuar a insistir na ideia do amante, só para não morrer estúpido, ou teria mais juízo se me ficasse, de uma vez por todas, com o amigo? O que me leva a não colocar um ponto final numa situação que está, ao que tudo indica, para lá dos meus limites?

4. Não preciso de resposta para tudo. Da mesma forma que nunca me senti inteiramente hetero, é bastante provável que nunca me venha a sentir um gay de corpo inteiro. Não é uma questão de proporção. Não dá para quantificar ou medir. Mas não é um drama. Não é uma fatalidade. Tão pouco é uma maldição. A vida não é a preto e branco e eu tenho de aprender a viver com as (minhas) nuances.

5. Preciso ser mais objectivo. Rala-me o preconceito dos outros, mas ainda lhe estou imune porque, na verdade, em vez de me colocar na pele dos visados, eu mantenho-me a uma distância segura e tudo observo de fora. Logo, o preconceito é também meu.

6. Não preciso de aprovação, mas quero respeito. A minha "luta" nunca passará por os outros me aceitarem ou não como sou. Não preciso de aprovação; precisarei que me respeitem, antes de tudo mais, para que, de futuro, não venha a sentir-me forçado a justificar ou a fazer da minha sexualidade um rótulo.

7. Preciso dar a mão à palmatória. Ao contrário do que sempre imaginei, as probabilidades de me vir a envolver - pelo menos nos tempos mais próximos - com tipos da minha idade são ínfimas. Demorou, mas percebi que jogamos em campeonatos distintos.

8. Não preciso de fag hags no meu eixo de gravitação. Tenho uma relação bastante cúmplice com as mulheres da minha vida. Gosto de as ter por perto e de as ouvir. Gosto de saber que, mais do que confiarem apenas em mim, confiam no meu discernimento. Mas que nenhuma delas, no dia em que a minha sexualidade deixar de ser nebulosa, caia no supremo disparate de querer fazer de mim uma alcoviteira ou o seu "homem de mão". Trocar cromos (figurinhas, para quem não sabe o que são cromos) de marmanjos ou galar o galalau na mesa ao lado não fazem, definitivamente, parte das coisas que quero partilhar com elas.

9. Preciso ganhar mais dinheiro. Até sei viver sem ele, mas a minha vida fica tão mais divertida quando não tenho de andar a equilibrar-me no arame. Não ligo a dinheiro, mas ligo muito a tudo de bom que ele compra e me proporciona. I'm a material boy, mas o meu interior também é bonito. Podem espreitar.

10. Não preciso de yesmen nem de gueixas. Há quem goste de ter alguém a seus pés e pronto a dizer que sim a tudo e a reclinar-se ao menor estalar de dedos. Não é para mim. Gosto de quem me dá luta. De quem me desafia. De quem, em doses saudáveis, mantém uma certa dose de perversidade e imprevisibilidade. Gosto de encurralar o adversário na parede, mas também aprecio um igual que, na luta corpo a corpo, me saiba tirar o tapete. Uma mão lava a outra e as duas juntas formam um braço de ferro.

1.12.08

Strangeluver

by Joe Oppedisano


Looking everywhere, I see nothing but people
Looking everywhere, but I see nothing but people
Where have they gone? I always thought I could never leave them
They are calling me, but they don't know I can't stay all night long

(Dr. Strangeluv, Blonde Redhead)



Há uns bons anos, num daqueles jantares que antecediam uma noite de copos e desvarios no Bairro [Alto], alguém me perguntou, já não me lembro a propósito do quê (nem isso interessa para o contexto), se me considerava romântico... Sem pensar muito, soltei um lacónico "Tenho dias" que suscitou um risinho nervoso entre os presentes e uma aquiescência generalizada que valia por um "Lá está ele a armar-se em diferente". Ainda hoje recordo a cena, com um misto de orgulho e de pesar, e dou por mim, não tão raro como isso, a reflectir no peso (e nas implicações) que essa mesma postura ambígua, cultivada com igual bravata mas também com algum desconforto à mistura, tem tido na minha vida amorosa ao longo dos anos como Homem adulto.


Não sou romântico, facto assente, mas, mais do que ser capaz de gestos românticos, eu cultivo até, quando estou para ai virado, certas intenções românticas. O que não é bem a mesma coisa. Talvez por isso, não sei ao certo, nem sempre me faço entender; todavia, pior do que não ser inteiramente compreendido nas boas (e más) intenções, é a dificuldade, mais minha do que dos outros, em conseguir achar um ponto de equílibrio entre o não ser (ou não querer ser) romântico e o poder estar romântico - que é como quem diz: eu não sou romântico,
mas estou muitas vezes romântico. Não vejo nisto uma contradição de termos, mas admito que possa estar equivocado.


Da mesma maneira que ontem me escapulia de mulheres terrivelmente cor-de-rosa em busca de um porto seguro, agora não escondo igualmente a desconfiança sempre que me vejo às voltas com homens assumidamente românticos que me passam a sensação de uma vulnerabilidade e de uma dependência extremadas - algo que passei a definir por "sindroma do domingo à tarde no sofá" e que me coloca quase de imediato, como nos desenhos animados, em sinal de alerta! Escrito por outras palavras, eu diria que manifestações do tipo "Quero tanto encontrar alguém com quem possa me enroscar aos domingos à tarde, num sofá, a ver filmes" desperta em mim a mesma apreensão, para não ser bruto e falar antes em aversão, que me dizerem "Quero ter alguém para me aquecer os pés"!

Não me entendam mal, eu adoro tardes de preguiça num sofá e não sou insensível à questão dos pés frios - em sentido figurado ou não -, mas só acho brochante ter isso logo por condimento numa altura em que a conquista dita outro tipo de pimenta.
Para falar honestamente, ando um bocado assustado com o número impressionante de gajos aos suspiros que me tem aparecido nos últimos tempos... A partir de que momento é que os homens caíram na ratoeira de também eles andarem à procura do príncipe encantado? Não é por nada, mas quando se está mais interessado em seduzir e em ser seduzido, a ideia de passar directamente à sala e ao sofá não me é nada estimulante...

Há muito que tenho claro não fazer minimamente o género "foder-como-se-não-houvesse-amanhã-sem-olhar-a-quem, mas, por outro lado, também não faço de todo a linha "homem-para-casar-e-prestes-a-calçar-as-pantufas. Procuro um meio-termo, mas o meio-termo não tem sido nada fácil de encontrar. Ou então, lá está, eu é que não tenho sabido hastear a bandeira certa e isto de não ser, mas poder estar, romântico não passa de mais um mito urbano.