21.1.08

Conta-me um segredo


A man can tell a thousand lies
I’ve learned my lesson well
Hope I live to tell
The secret I have learned, till then
It will burn inside of me

(
Live to Tell, Madonna)


Quer em Disponível para Amar (In the Mood for Love), quer em 2046, dois filmes de Wong Kar Wai que aconselho, a ideia repete-se: sempre que alguém vive atormentado por um segredo que não se atreve a partilhar, escala uma montanha, procura uma árvore e nela faz um buraco. Soprado o segredo, o buraco é selado com lama.
Hoje, ao invés de subirmos à montanha, sentamo-nos frente a um computador; ao invés de procurarmos uma árvore, escondemo-nos numa sombra. Ao invés de abrirmos um buraco, criamos um blogue, mas nele, como no buraco, também depositamos segredos. E todos, mesmo os que dizem não esperar (nem precisar de) resposta, ansiamos para que o eco das nossas palavras, depois de lançadas ao vento, não caia no vazio sem pelo menos tocar alguém. Nem que seja ao de leve.

17.1.08

Palavras soltas

Cena do filme Odete, de João Pedro Rodrigues


All this frustration
I can't meet all my desires
Strange conversation
Self-control has just expired
All an illusion

(Born of Frustration, James)


Acordei com vontade de sentir novamente a respiração ronronante soprada no meu pescoço / De ter os músculos doridos depois de varar mais uma madrugada a dançar / De lançar barcos de papel iluminados à deriva na correnteza / De comer açai gelado às colheradas / De ovos Benedict sobre uma fatia de pão de centeio aquecida ao de leve / De percorrer a escala de andamentos entre um beijo moderato e um beijo vivace, ora lento, ora prestissimo / De ceder à vertigem do jogo em que passo de presa a predador e de predador a presa / De sair para fora de pé / De ficar em carne viva / De medir forças com um igual / Do frémito de ter tudo a perder ou tudo a ganhar / De alguém que me inspira o milagre e não a resignação.

15.1.08

A saldo


You said my clothes were sexy, you tore away my shirt.
You rubbed an ice-cube on my chest snapped me 'til it hurt.
(…)
You said I wasn't cheap. You paid me twenty pounds.
You promised to put me in a magazine on every table in every lounge.

(You’re Gorgeous, Bird Baby)


Aproveitei o fim-de-semana para tirar a barriga de misérias. De uma assentada, fui ao cinema ver O Sonho de Cassandra ― o último de Woody Allen, e sim, estou inclinado a concordar com a (má) crítica; o argumento não me convenceu; muito menos a prestação do Collin Farrell que, excepção feita a Tigerland, acho um bocado canastrão. Bah! ― e revi em DVD dois filmes que já ganharam um lugar especial na minha vida: Disponível para Amar (In the Mood for Love), de Wong Kar-Wai ― belíssimo na sua subtileza e que música é aquela (Yumeji's Theme, de Shigeru Umebayashi) que até arrepia! ― e O Grande Peixe (Big Fish), de Tim Burton ― eu que nem sou de lágrima fácil, sempre choro na sequência final, porque aquilo mexe comigo! Tenho ali mais três à minha espera, mas deles falarei noutra altura, num outro post.

E já que a época é de saldos de Inverno e eu, por motivos que agora não são para aqui chamados, fiquei sem parte do meu guarda-roupa, fui às compras. Curioso como a grande maioria dos homens gosta de apontar o dedo e dizer que compras é “coisa de mulher”. Pois para mim, coisa de Mané é precisar da ajuda da mãezinha ou da namorada para escolher umas simples cuecas! Faço gala em comprar toda a minha roupa desde muito novo e sempre preferi, inclusive, fazê-lo sozinho e sem muitos palpites. E ai de quem me vier com aquela lenga-lenga do “queer eye” para saber o que usar… Vai apanhar, aviso já! :-)

7.1.08

O reverso


Hey mister
How did you lose your love?
Say mister
They say you’re out of luck
Why worry
‘Cause it happens to us all
When love is all
Love is no more
Praying for your love
Keep on praying for your love.

(
Praying, 3-11 Porter)


Porque, por vezes, é preciso contar o reverso da estória.


Inclemente, um jorro de luz macilenta acerta em cheio no meu rosto. Cego por aquela claridade furtiva, demoro algum tempo até ser capaz de distinguir, com nitidez pelo menos, a tua silhueta esguia desenhada a carvão na janela de cortinas escancaradas. Arrepio-me ao sentir os teus pêlos eriçados pelo frio; ainda assim, saio da cama. O teu olhar paira sobre os telhados de Paris, mas algo na tua postura absorta me diz que já voaste para mais longe. Mal dás por mim quando te enlaço pela cintura. Ficamos pele com pele. Carrego comigo a esperança de que o meu calor te inunde e te devolva aos meus braços, mas tu insistes em permanecer fora de pé. No meu desamparo, cerro os olhos e deixo-me ficar. De queixo pousado no teu ombro. Desejo em vão que o tempo pare de correr neste preciso instante. Até que te viras. É a minha vez de me fingir de morto. Não consigo encarar-te. Não quero ser obrigado a confrontar-me com aquilo que jamais terás a coragem de me dizer, mas que há muito pressinto nos teus gestos. Como um condenado, ofereço-te instintivamente a minha boca, na tentativa desesperada de te silenciar e adiar o desfecho inevitável; mesmo que para isso a minha agonia se prolongue. Não te demoras muito nos meus lábios. Num ímpeto, arrasto-te pela mão até à cama, onde as formas dos nossos corpos aguardam que as preenchemos novamente. A tudo obedeces como um autómato. Mesmo quando eu, torpe, me lanço sobre ti e, sem controlar a minha sofreguidão, te percorro de lés a lés. Mais do que te dar prazer, procuro, desvairadamente, algo que possa reter e servir-me de consolo quando tiveres partido. Ergo-me por entre as tuas coxas; não tenho mais como não enxergar o que dispensa todas as palavras. Esfrego nas mãos o teu despojo, para que se entranhe, mas o teu corpo já não me pertence mais. A muito custo, abafo os primeiros soluços, mas um carreiro de lágrimas começa a engrossar e não tardará a despencar. Hesito entre a retirada estratégica, que se impõe, ou abandonar de vez o orgulho, o pouco que ainda me resta, lançar-me aos teus pés e suplicar-te que não vás. Incapaz de travar por muito mais o choro que me dilacera a garganta, resigno-me a deixar-te ir sem oferecer resistência. Estou mesmo disposto a facilitar-te ao máximo a fuga. No que depender de mim, esta é só mais uma manhã igual a tantas outras que já tivemos. Levanto-me com o pretexto de ir tomar banho. Volto-me uma última vez, mas os meus olhos não encontram os teus. Melhor assim. Fecho a porta da casa de banho, ponho a água a correr, mas não entro no chuveiro. Fico antes agachado a um canto, anestesiado sem sentir o chão gelado, e a rogar para que o meu pranto me impeça de te ouvir quando bateres a porta.

3.1.08

Eu e o génio da lâmpada


Breathe in, breathe out
Tell me all of your doubts
Everybody bleeds this way, just the same
Breathe in, breathe out
Move on and break down
If everyone goes away, I will stay
We push and pull
And I fall down sometimes
And I’m not letting go
You hold the other line
Cause there is a light in your eyes, in your eyes

(Breathe in, Breathe out, Mat Kearney)



“More tears are shed over answered prayers than unanswered ones”
ou

“As preces que são atendidas causam mais lágrimas do que as que são ignoradas”


Um destes dias, ao rever em DVD o excelente filme Capote (e não me canso da primorosa interpretação de Philip Seymour Hoffman), tombei sobre esta epígrafe de Truman Capote...
Deixou-me a matutar.
Mais do que pedir e não ser atendido, aflige-me a ideia de que podemos ter apenas direito a um número limitado de desejos a realizar e eu já tratei de desperdiçar boa parte dos meus com as coisas e as pessoas erradas...
A isto chamo eu o síndroma da lâmpada mágica ou o mal dos indecisos.

30.12.07

(Re)Começar



Watch the day begin again
Whispering into the night

See the pretty people play

Hurrying under the light

A million cars, a million trains,

Under the jet plane sky

Nothing lost and nothing gained

Life is just a lullaby

(Everything Will Flow, Suede)



A felicidade não tem dia nem hora marcados para acontecer. Ainda assim, eu que até torço o nariz à alegria tantas vezes forçada, ou mesmo imposta, de boa parte das festas de réveillon, não rejeito a perspectiva - chamem-lhe ilusão, não me importo... - de que, a cada novo ano, é-me dada uma nova oportunidade, com infinitas possibilidades de erros e acertos.
Oxalá eu consiga aprender com os primeiros e não desperdiçar os segundos.
E que 2008 não nos passe ao lado!

24.12.07

A esperança



Se eu beber dessa luz que apaga
a noite em mim
e se um dia eu disser
que já não quero estar aqui
na incerteza de saber
o que fazer, o que querer
mesmo sem nunca pensar
que um dia o vá expressar
não há outro que conhece
tudo o que acontece em mim
(Eu Sei, Sara Tavares a partir do Salmo 139)


Há muito que deixei de ser criança, mas espero nunca vir a perder a capacidade de me emocionar com a ideia de comunhão à mesa, nem de me entusiasmar com a ideia de agradar a quem amo nem, sobretudo, de me regozijar com a ideia de que, a cada novo ano, me posso superar e tentar fazer melhor. Porque para mim esse é o verdadeiro espírito desta quadra.
Feliz Natal.

21.12.07

A contra-luz

By Mario Testino


Moving on the floor now babe you're a bird of paradise

Cherry ice cream smile I suppose it's very nice
With a step to your left and a flick to the right
You catch that mirror way out west
You know you're something special
And you look like you're the best
(Rio, Duran Duran)

Há tantos anos que passo ali, mas acho que só agora pude enxergar aquela ilha, plantada entre os postos oito e nove. Sete cores enfunadas ao vento, projectadas num céu cristalino onde cada um imagina o arco-íris que bem quiser. Perscruto rostos e corpos, talhados na exacta proporção da vaidade e de quem se habituou a viver num eterno ensaio fotográfico de Mario Testino. Boys from Ipanema. O Sol cai a pique no Arpoador. À noite todos os gatos são pardos, sobretudo na esquina da Farme de Amoedo com a Prudente de Morais. No 69, ela, de blusa cava, exibe as suas tatuagens, enquanto dança no meio deles e delas. Ninguém quer saber de onde venho, para onde vou e o que faço ali naquela madrugada sem sono. Ninguém a não ser ele, o único que, mesmo a contra-luz, se deixa encadear pelo branco da minha camisa. Blame it on Rio. Sim, a culpa é do Rio e das suas eternas miragens.

13.12.07

Respiração

And I won't go
I won't sleep
I can't breathe
Until you're resting here with me
(Here with Me, Dido)



Estou, como se costuma dizer em bom português, sem tempo sequer para me coçar. É um bom momento da minha vida, com trabalho prazenteiro, mas esta correria, por mais que eu tenha uma costela de andarilho, está-me a deixar esgotado e não me permite algo que eu adoro e preciso: párar, respirar fundo e só depois prosseguir.

2.12.07

A três


But can you save me
Come on and save me
If you could save me
From the ranks of the freaks
Who suspect they could never love anyone

(Save Me,
Aimée Mann)


Chego à hora marcada com um embrulho e uma caixa dos chocolates que ela tanto gosta. Ele já está em mangas de camisa, a cozinhar para nós. Só o vi uma única vez, há uns bons anos, e ainda assim de raspão. Nem me recordo ao certo da sua cara, mas ela insiste sempre em dizer-me ― suponho que também o faça com ele ― que somos parecidos em muitas coisas, por isso, nessa noite, seremos três. Ele estende-me a primeira garrafa de vinho para eu abrir, ela pede-me para ajudá-la a pôr a mesa. Três cadeiras, três pratos, três copos, três velas. Não deixa de ser irónico, penso. A casa ainda está muito vazia, mas, na aparelhagem, toca sem parar Aimée Mann ― é inevitável recordarmos o filme Magnólia. É só mais uma das (muitas) coisas que temos em comum, por isso, e já um pouco bebidos, brindamos à nossa inabilidade para lidar com as coisas do coração. Da mesa passamos para o sofá. Ele prefere ficar sentado no chão, apoiado numa almofada. A conversa solta-se na mesma proporção que vamos esvaziando as garrafas de vinho. Às tantas, ele estende-me um charro (baseado). Recuso, ela aceita dar uma passa. A cena nunca aconteceu ― não entre nós, pelo menos ―, mas soa-me a dejá vu. No final da noite, a minha intuição confirma-se. Nada é dito, nada é sequer sugerido ou insinuado, mas fico com a quase certeza de que ele, tal como eu, está condenado a ser o seu melhor amigo para sempre. Saio de lá a perguntar-me até que ponto, ela tem consciência de que nós os dois, os homens da sua vida, somos realmente parecidos…