Sábado. Chego atrasado ao almoço com L., marcado para as 13. É o primeiro dia realmente frio deste Outono, o que me deixa disposto. Gosto de dias frios e de roupa quente. A cafetaria do CCB está composta, mas ninguém parece ter muita pressa em despachar-se. Ainda bem. Apesar do sol tímido, não arriscamos a esplanada e instalamo-nos na sala junto a um casal de meia-idade, que prefere a leitura dos respectivos jornais e revistas de fim-de-semana à conversa um com outro. Pelo contrário, eu e L., que não nos vemos há um bom tempo, aproveitamos para, entre garfadas, colocar a “escrita em dia”. Por mais de uma vez, as nossas tiradas são a única coisa que leva o casal da mesa ao lado a despregar os olhos do que está a fazer e a partilhar um franzir de sobrolho. Longe de ficarmos desconcertados, divertimo-nos com a sua desaprovação.
Como L. tem uma festa de aniversário nessa mesma noite e precisa comprar um presente, aceito a sua boleia até ao Chiado. Pelo caminho, conto-lhe o “enxovalho” por que passei recentemente: numa noite de copos com vários colegas de profissão, trai-me e falei do Jamaica. É bom dizê-lo, há mais de dez anos que não ponho ali os pés ― nem ali, nem nos seus vizinhos, também meus velhos conhecidos, Tóquio ou Copenhagen ―, mas ficará sempre associado a um período muito especial da minha vida.
Pelos vistos, e a avaliar pela chacota geral que se instalou assim que proferi o nome “maldito”, o Jamaica que tanto nos atraia, a mim e ao meu grupo de amigos de então, pela boa música que passava e pela sua impagável allure decadente (reunindo no mesmo porão fumarento, universitários, putas tristes e a escória das docas de Lisboa), não passa hoje de uma sombra de si mesmo ― perdeu a aura para passar a ser só, e ponto, decadente. O golpe de misericórdia é-me dado por L., com uns bons anos a menos do que eu, que me confirma o veredicto: o Jamaica está, definitivamente, out na noite lisboeta.
Resignado, mas não derrotado ― afinal, nada apaga as madrugadas em que saí dali com a roupa colada ao corpo depois de tanto dançar numa pista à cunha ―, desço, ainda na companhia de L., a Rua Garrett, por esta altura inundada de gente tomada pelo espírito pré-natalício. De repente, esbarro com um rosto que se abre de espanto na minha direcção. Levo uma fracção de segundos a reconhecer aquela cara a que falta qualquer coisa de familiar, mas aqueles olhos pestanudos gigantes, e muito arregalados, não enganam. Passaram-se não sei quantos anos desde que a vi pela última vez, mas nunca lhe perdi o rasto por completo.
Nem de propósito, E. fazia parte do meu grupo de amigos que frequentava (e gostava) o Jamaica. Está no segundo casamento, no primeiro filho, começou uma nova vida a sul e, reparo finalmente no que faltava, a sua outrora exuberante e farfalhuda cabeleira negra foi totalmente domada para dar lugar a um ruivo pardo. Diz-me que o marido não gosta de cabelos compridos e que ela, entretanto, também se cansou... Não a noto muito convencida.
Na energia, porém, mantém-se inalterada: fala pelos cotovelos, mete-se com L. e não perde tempo a sacar da carteira para nos mostrar fotos da (nova) família. Sinto-a feliz, mas demoro a acostumar-me à miúda namoradeira de antes agora na pele da mulher dedicada que vai para as compras com as amigas para fazer tempo enquanto o marido dela e os das outras se entretêm numa partida de golfe… Às tantas, atira-me: “Estás igualzinho!!!” Sei que é um elogio sincero, mas fico na dúvida quanto ao seu real significado. Quererá dizer que estagnei no tempo, que não amadureci e não formei família como era suposto (logo continuo solteiro, sem filhos, a frequentar porões fumarentos em vez de campos de golfe, a não poupar e em plena crise de identidade sexual)? Ou quererá apenas dizer que, por fora pelo menos, os anos ainda me pesam pouco (talvez porque continuo solteiro, sem filhos, a frequentar porões fumarentos em vez de campos de golfe, a não poupar e em plena crise de identidade sexual)?
Pensando bem, não interessa. Provavelmente, eu represento a vida que ela já teve e ela representa a vida que eu muito dificilmente terei algum dia. Mas, na vida, todos sabemos, ganhamos umas coisas e perdemos outras. Só lamento ter-me esquecido de lhe perguntar se tem saudades do Jamaica…
13 comentários:
Gostei do título e aplica-se ao texto, mas as duas histórias que cruzas (das noites jamaicanas e do encontro com a amiga de há muito? há um certo sabor a evolução de ambos os lados, e de sinais bastante contrários; prefiro abertamente a tua "evolução na continuidade"...
Abraço.
Meu Padeiro!!!
Estou enganodo ou estamos as voltas com crises de idade???
Hauahauaahauahauhauahauhauah!
Meu lindo, vc é um charme, um pão! Não tem que se preocupar com isso!
:D
E me diga.. só pra mim... quem é L? É quem eu pensou?? Apesar de que, não acredito que fosse disfaçar até mesmo a letra!
Beijão!
Por aqui tem feriado regado a xixi de anjo: chove sem parar! Não vou me convidar a ir pro Jamaica contigo porque sou "sonífero": gosto de cama. Mas nessa de café e livros eu tô dentro! Beijo!
Não agradeça, meu lindo!
Se tem um coisa que eu preservo é a privacidade! Tanto a minha quanto das pessoas de quem eu gosto! E vc é uma delas! Bom... eu preservo até de gente que não merece!! haahuahuahau! Porque não faria isso com vc, que é um pão doce de pessoa??
;D
Beijão!
Gostei sobretudo do remate do texto. Perfeito!
Querido,você tá ficando por demais sério, diria até burocrático. O que é isso?
Teoria demais enche o saco, prefiro um mundo de fantasia. Um mundo de OZ.
E quanto a caras de 40 levando vidas de pessoas de 20 é deprimente.
Beijos!!!!
Menino G, como se diz por cá, acho que alguém ai acordou hoje com os pés de fora... De mal com a vida? Espero que não, afinal és muito novo para isso.
Gatooooo! blz? que dupla vc escolheu para estar no meio, hein? Peter Pan e Dorian Gray? HUMMMM....
Beijos, gato sumido!
É um fenómeno que, sendo natural e expectável, me surpreende muitas vezes: encontrar gente que comigo frequentou os "Jamaicas" da minha vida, a quem perdi o rasto e volto a descobrir tranformados, diferentes, como se as pessoas que eu conhecera tivessem ficado retidos para sempre nesses recantos fora de moda...
Abraço
mudar a vida pode ser tanto para o bem ou para o mal, não se sinta menor por não ter realizado grandes mudanças em sua vida.. basta que a sua vida esteja de acordo com o que vc sente.. então tudo estará bem
O cabelo curto até nem lhe ficava muito mal, lol
Prefiro o Peter, mas conversar horas com amigos que não vemos há tempos, é muito bom...!!!!
O blog megafashionist participará da disputa mais emocionante do ano ... seguindo tendências e mostrando a que veio em uma única foto pra lá de sensual...
E ae vai acompanhar o NBTSB - Next Brazil Top Sexy Blogger... ?
Dia 26/11
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