25.11.07

Fora de órbita

Mars et Venus pris dans le filet de Vulcain (1536)
Maerten Van Heemskerk ©, Vienna, Kunsthistorisches Museum


His wicked
sense of humour
suggests
exciting sex!
(…)
He believes in a beauty
he's venus as a boy

(
Venus as a Boy, Björk
)


Episódio da série norte-americana Rescue Me, segunda temporada:
O pai, um bombeiro velho e rabugento de Nova Iorque, sente-se incapaz de lidar sozinho com a mulher, a quem foi diagnosticado o mal de Alzheimer. Não tem, por isso, outro remédio senão pedir socorro ao filho que enxotou de casa quando este lhe contou que era gay. O filho, que vive com o seu companheiro, vem de imediato em seu auxílio. Passadas as primeiras formalidades, pai e filho ficam, finalmente, sentados frente a frente e não sabem por onde começar. Às tantas, o pai, sem levantar os olhos da mesa, dispara: “Quem é a mulher?” O filho finge não perceber onde o pai quer chegar. O pai repete. O filho não desarma e argumenta: “Mas somos os dois homens!” O pai, sem nunca o encarar, insiste: “Mas quem é a mulher?” E ai, o filho capitula: “Bom, acho que ele é mais mulher do que eu…”. Menos mal, terá pensado o pai.

A ficção, diz-se, imita a realidade. Esta cena lembra-me algo parecido que me contaram um dia destes; alguém, não interessa quem, cansado de viver às escondidas, resolveu escancarar as portas do armário para a sua família. A reacção não foi, ao que parece, a mais entusiástica, tendo sido a avó, para surpresa geral e do próprio, aquela que se mostrou menos chocada. Esta só lhe terá feito dois pedidos: que jamais fosse viver com outro homem e que nunca fosse a “mulher”. Isso sim, seria uma “paneleirice” (viadagem) imperdoável! Tudo o resto não importava.

A velha máxima, seguida aqui à risca, “o que os olhos não vêem, o coração não sente”.

Estive ausente uns dias e quando voltei, na blogosfera, um dos assuntos quentes do momento era o anúncio da cerveja que incita ao orgulho hetero por oposição ao argulho gay.
- Revoltem-se, bradam uns;
- ignorem, contrapõem outros.
Pelo meio, a maioria abandonou as trincheiras para juntar forças e assinar a petição a favor do cozinheiro despedido por ser seropositivo (e sob a alegação de que constituía uma ameaça à saúde pública).

Sou eu que continuo a ter uma visão muito cínica das coisas ou tenho, de facto, alguma razão em achar que o preconceito nunca deixou de existir, apenas está, quando muito ― e por imposição do socialmente correcto ―, mascarado de falsa aceitação?
Admito não ser o melhor exemplo, já que sou “fora do meio” (meio GLS, entenda-se), mas, talvez por isso, a minha sensação é que, nas coisas mais pequenas, as pessoas, mesmo as que vivem cheias de boas intenções e dizem conviver bem com a "diferença", fazem questão de nos recordar que nós, os que não são nem de Vénus, nem de Marte, vimos de outro planeta. Um planeta à parte, do qual se fala muito, mas de que, na realidade, se sabe (e se compreende) muito pouco.
Depois, apetece-me acrescentar, desde quando é que aceitar se tornou sinónimo de apoiar ou entender...

12 comentários:

Will disse...

A sociedade brada, movimenta-se, critica, ignora... Ainda bem: é assim que se parem novos comportamentos e posturas :)

João Roque disse...

Não comento os já estafados casos do anúncio e do despedimento, mas acabo por falar deles indirectamente, pois ao comentar essa cena da série e a má aceitação familiar de um "outcoming", estamos sempre a falar de preconceitos.
É curioso que traga "à baila" um assunto muito esquecido, mas pertinente e que é o caso de "quem é mulher" como referes para não dizer por outras palavras mais cruas mas mais perceptíveis; o que relatas mostra que mais que não aceitar um acto sexual com outro homem, não se aceita acima de tudo que se seja possuído, faz-me lembrar algo que ouvi, quando era miúdo, de uma pessoa mais velha, opinando que um homem que possuísse outro não era paneleiro, o outro é que era...enfim.
Enquanto o nosso povo continuar com mentalidades assim não há leis, não há nada que mudem os preconceitos.
Abraço.

Latinha disse...

Lendo teu post eu lembrei do namorado de um amigo que eu conheci... na ocasião ele contava que quando se assumiu para a família. A primeira preocupação do pai foi se ele era passivo, porque se ele fosse ativo ainda dava para "voltar atrás". Nem precisa comentar né.... ehehe

Tempos atrás vi uma campanha bem bolada que perguntava, "O que você faz com o seu preconceito"? Concordo com você, as pessoas talvez tenham se tornado mais tolerantes... por razões economicas muitas vezes, por imposição da sociedade - afinal ninguem quer ser taxado de intolerante e por ai vai.

Pontos para a "avó", que mesmo vindo de uma outra época, teve pelo menos a intenção de aceitá-lo - mesmo que do jeito dela.

Abração meu amigo, grande semana para você.

Paulo Mamedes disse...

As pessoas que aceitam, vao muito bem até soltarem um comentario cretino e ridiculo, fico puto... hehehe

Anónimo disse...

Pois é, o tal do "tolerante" já diz tudo: não é aceitar nem apoiar. Eu até mandei email pra tal da Tagus (a amiga portuguesa de uma minha amiga gaúcha mandou email comentando, indignada). Nao sei se fiz bem, não sei se o ideal é ser "xiíta". Mas foi o que o coração pediu na hora. :-)

Beijo!!

Râzi disse...

Meu querido, saudades de vc!

Mas sabe... se essa questão de "quem come quem" foi algo que surgiu por si só na cabecinha de eu filho que fez nove anos agora esse mês, a mim parece que seja uma coisa normal das pessoas, essa questão do papel. No mundo seguro dos héteros, ninguém fica a se questionar se a mulher vai comer ou dar! A mulher é comida e o homem, come! Ponto! Fato!

Então, acho até natural esses questionamentos!

Ainda mais que é melhor ter um parente perturbado na família, que "come um viado de vez em quando" do que um cidadão correto que adora dar a bunda... Ou pelo menos parece ser o que mais se vê por ai...

E quanto à essa cerveja... Orgulho Hétero... interessante! Hauahauahau! Pra não dizer, ridículo! É como alguns brancos que eu conheço que bradam que se o preconceito contra os negros tem que ser crime, se forem chamados de brancos azedos também deveriam ser defendidos... e me diga... desde quando os mais forte precisam de defesa???

Com o perdão da palavra, é uma foda mal dada!

Ah!

Beijão, lindo! Te adooooorooooo!
:D

Unknown disse...

Gatooooooooo! Blz? Bem, sobre a série, que eu ainda não vi... Fico sempre pensndo porque gente assim sempre acha que os passivos são mais gays do que os ativos? E nem falo nada sobre ser afetado, ou não... Enfim, coisa de gente ignorante... Beijos, gato!

Paulo Mamedes disse...

Alias eu nao to no meio gls, eu to em cima, em baixo e ao lado também hauahauah

Maurice disse...

Aceita-se o inevitável. Implica resignação e, quando muito, boa vontade. EStá longe de significar entender. E está anos luz do que pode ser a descoberta da diferença como dom enriquecedor para todos...

Abraço

Anónimo disse...

Oz,temos ainda muito chão para vencer os preconceitos.Sao muitos.ha quenao gosta de negro,outros de judeus,outros de gays,outros do clube de futebol.ha quem nao goste de pobre e...Artas disso tudo está uma postura cultural(vivida nas familias e silenciada nas escolas)é a iposiçao moralista do sistema.Debater,gritar,falar,discutir,reclamar,lutar,obriga as mudanças politicas.Aqui no Brasil os horrores feitos por preconceito vira pura maldade.os direitos sao desprezados por quem deveria proteger.Formaçao humana é encima da violencia,medo,dor.O racionalismo,iluminismo ainda nao se firmou e estamos retorcedendo a barabarie social.abraço.

Anónimo disse...

Oz,Xane ..de volta para acertar o meu URL: o postado está esrrado.segue o novo.

hotspot_fortaleza disse...

adoreiii o post






http://hotspotfortaleza.blogspot.com/